(Por Márcio Moreira, Me)
A Igreja e o administrador
O Papa Francisco, sucessor de Pedro, ao qual os fiéis da Igreja Romana se subordinam, não perde oportunidade de relembrar, seja diretamente ou através dos dicastérios, que a Igreja “é como o administrador fiel e prudente (que) tem a função de cuidar atentamente daquilo que lhe foi confiado”.
O Dicastério da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica recomendam expressamente aos seus entes eclesiásticos que redijam demonstrações contábeis segundo as normas internacionais de contabilidade, introduzindo regras, modelos e critérios comuns.
Destacam, ainda, como valorosa, a realização de auditoria nesses demonstrativos, pois esta tende a representar uma “certificação” – o desejo de se caminhar na busca de uma correta e fiel atuação econômico-administrativa.
Este desejo de ratificação dos dados contábeis converge com o principal objetivo técnico de uma auditoria contábil, que é aumentar o grau de confiança nas informações prestadas aos usuários. Assim sendo, cabe ao profissional de auditoria avaliar e opinar se as demonstrações contábeis são elaboradas, em todos os aspectos relevantes, em conformidade com as normas técnicas aplicáveis.
Contudo, a opinião do auditor não pode assegurar, por exemplo, a viabilidade futura da entidade nem a eficiência ou eficácia com as quais a instituição conduziu suas atividades.
As normas técnicas de contabilidade e auditoria podem e devem ser adaptadas, conforme necessário, às circunstâncias, mas, em nenhum momento, se deve dissociar a expressão de opinião dos valores éticos que humanizam as relações das atividades desenvolvidas.
O profissional da auditoria que irá manifestar sua opinião deve conjugar norma técnica e ética, que caminham juntas, especialmente no caso da Igreja Católica Apostólica Romana, cuja missão é amar ao próximo na construção do reino de Deus.
A Doutrina Social da Igreja defende que “a justiça diz respeito a todas as fases da atividade econômica” e, assim, destaca,” (…) cada decisão econômica tem consequências de caráter moral”, ou seja, deve-se pensar e avaliar os reflexos éticos de um ato econômico, pois, tem-se como clareza que “o objeto da economia é a formação da riqueza e o seu incremento progressivo, em termos não apenas quantitativos, mas qualitativos: tudo isto é moralmente correto se orientado para o desenvolvimento global e solidário do homem e da sociedade em que ele vive e atua.”
Tem-se, dessa forma, uma valorosa utilidade do trabalho profissional auditor que, no campo de ação da auditoria, não distingue ou limita a natureza organizacional da entidade a atividades comerciais e empresarias. Ele deve se adequar por vários olhares, desde que pautado também por valores éticos, também, às instituições confessionais (por exemplo, hospitais, colégios e universidades) e aos entes eclesiásticos (por exemplo, Ordens, Congregações, Dioceses e Paróquias) que precisam, por regramento próprio, ou simplesmente desejam, atestar a consistência dos dados apresentados resultantes da forma de gerir.
O início de uma auditoria
O ponto de partida de uma auditoria, de forma geral, se dá no exame das atividades desenvolvidas por outros profissionais, sob a tutela dos administradores (em alguns casos leigos, ou mesmo, religiosos e clérigos) com a supervisão geral dos responsáveis pela governança (por exemplo, Bispos, Superiores Provinciais e Governos Gerais). Ora, a ação, mesmo inicial, deve ser impregnada da ética também no trato com os demais profissionais de contabilidade, com os gestores leigos e com aqueles que, por uma opção de vida, esforçam-se para cumprir – também na economia – a missão da igreja.
Cabe ao auditor ter sensibilidade, por exemplo, quanto ao que move os gestores da instituição e o que estes consideram como agregação de valor. A motivação do “gestor do mercado” costuma destoar daquela do “administrador das obras da igreja” que deve ser diligente como “bons pais de família (Cân., 1284)”. Via de regra, o conceito de valor agregado do primeiro é medido de forma quantitativa pelo resultado financeiro.
Já o segundo, espelhado no pai misericordioso, tem a responsabilidade de testemunhar que “O campo da economia é instrumento da ação missionária da Igreja.” Dessa forma, não se isola do mundo, mas tem como geração de valor o próximo no processo de “…salvação das almas que, na Igreja, deve ser sempre a lei suprema (Cân., 1752)”. Essa sensibilidade não se traduz em perda de qualidade ou rigor técnico a ser aplicado aos trabalhos de auditoria sendo, ao contrário, um instrumento que busca melhor compreender todo o contexto das entidades sob análise.
[Continua]
Sobre o autor (Márcio Moreira, Me):
Mestre em Administração e Finanças, Auditor, Pós-Graduado em Auditoria Externa, Graduado em Ciências Contábeis, Perito Contábil e Especialista em Gestão Tributária. Professor de Graduação e Especialização: Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA) e Faculdade Vicentina de Curitiba (FAVI).
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Fotos: Pixabay