(Por Márcio Moreira, Me)
O patrimônio e sua missão
A composição e a estruturação do patrimônio dos entes eclesiásticos que compõem a igreja, a partir da utilização evangélica deste, visa cumprir sua missão salvífica. Nos tempos atuais, ela passa por um processo de realinhamento de suas estruturas organizacionais.
No passado o termo “cisma”, inclusive na igreja, esteve ligado à disputa de poder entre o clero, os monarcas, a nobreza, os comerciantes e o povo, inclusive sendo uma consequência da discussão que envolvia a cobrança de impostos clericais. Atualmente, o contexto do termo “cisão”, também na igreja, é utilizado, principalmente, para definir a parcela do patrimônio que é, por direito, incorporado a ela.
Não se trata, aqui, de querer acumular riquezas, mas, de se buscar justiça e, também, guardar fidelidade histórica aos fiéis que contribuíram com seu trabalho e com sua vida, muitas das vezes por acreditarem num carisma específico e, ainda, que aquilo que foi constituído, continuará a ser utilizado em prol da proclamação do evangelho.
Disparidade de interpretações
Alguns profissionais leigos que servem às estruturas da igreja, talvez por uma interpretação pouco aprofundada e refletida, têm dificuldade de compreender as peculiaridades da organização da igreja e, ainda, a importância de segregar o patrimônio estável desta daquele que, em última jurisdição, pertence (ou pertencerá) ao estado. Eles acabam por defender a ideia rasa de que o estado, ao conceder uma imunidade ou isenção tributária, age de forma suficiente para definir os rumos como se “legítimo proprietário fosse” daquele patrimônio que foi edificado, com muito esforço e dedicação, pelos membros do ente eclesiástico.
Existe um cenário multi-interpretativo, representado por opiniões díspares, em que são apresentadas considerações diversas quanto à aplicabilidade das normas de conduta (leis) que, em regra geral, deveriam honrar a vontade dos cidadãos.
Em vários momentos, quanto à organização institucional, as entidades são orientadas a permanecerem “como estão”, seja por comodismo, ou mesmo por falta de familiaridade com esses conceitos, por parte de alguns assessores. Neste caso, são inobservadas algumas das características próprias e patrimoniais das organizações religiosas e das respectivas entidades vinculadas que, simplesmente, complementam o carisma e ou missão através de suas atividades apostólicas.
Registra-se que o Brasil possui cerca de 6,8 milhões de leis para uma previsão de cerca de 2 milhões de bacharéis em direito (não necessariamente advogados atuantes), em 2023, frente a uma população de quase 215 milhões de habitantes. Neste caso, numa distribuição igualitária, para cada graduado em direito, existem 3,4 leis e 108 cidadãos. Essa pluralidade, em alguns casos, pode acabar desorientando aqueles que, como a Igreja, precisariam ser exemplares no exercício quotidiano de suas ações, pois, como se sabe, ainda que se desconheça uma lei, isso não lhe dá o direito de desobedecê-la.
Patrimônio a serviço da igreja
Destaca-se que os bens temporários das entidades eclesiásticas estão a serviço de um projeto Divino e, assim, devem permanecer. Nesta toada foram as afirmativas do Papa Francisco, que assim se expressou, no dia 26 de novembro/2016, na cidade do Vaticano, para os ecônomos das entidades eclesiásticas de todo o mundo:
Não basta esconder-me atrás da afirmação de que não possuo nada porque sou religioso, religiosa, se meu instituto me permite administrar ou desfrutar de todos os bens que desejo e controlar as fundações civis criadas para manter as próprias obras, evitando assim o controle da Igreja.
Sabe-se que patrimônio constituído ao longo do tempo, seja por doações, advindas, inclusive do exterior, por herança dos membros religiosos, subscritores, legados, atividades operacionais e demais meios similares foram, na maioria das entidades confessionais, congregados através de uma única personalidade jurídica.
Face à constituição patrimonial ter ocorrido ao longo de anos (a maioria, ao longo de décadas ou, no caso de alguns, séculos) no Brasil, o processo de cisão das atuais associações privadas com versão do patrimônio para as organizações religiosas tem sido uma dinâmica cada vez mais frequente e respaldada em dispositivos legais tais como os apresentados, por diversas vezes, neste documento.
Neste contexto, a pertença do patrimônio pela organização religiosa é, no nosso entendimento, um ato legítimo e necessário, como forma de proteção do legado histórico e em respeito àqueles que colaboraram para a formação de toda a carga patrimonial no decorrer da história da entidade religiosa. O que se afirma, respaldados pelos preceitos legais, é que os bens patrimoniais devem ser alocados na Organização Religiosa por comporem – em última instância – os bens da Igreja Católica Apostólica Romana, conforme bem dispõe o Código de Direito Canônico.
A hipótese de salvaguardar parte dos bens patrimoniais sob a proteção do ente eclesiástico estrutura-se, principalmente, no Acordo firmado pela República Federativa do Brasil com a Santa Sé. Tem-se, através do Decreto n.º 7.107/2010, que a pessoa jurídica da Igreja Católica e todas as Instituições Eclesiásticas que possuem tal personalidade, em conformidade com o direito canônico, desde que não contrariem o sistema constitucional e as leis brasileiras, podem se valer destas prerrogativas acordadas.
A adoção de tal medida, caminho trilhado por diversas entidades eclesiásticas, fundamenta-se no princípio de a entidade religiosa utilizar-se das prerrogativas constitucionais e internacionalmente reconhecidas de não interferência do estado neste tipo de entidade. Busca-se, desta forma, o “guarda-chuva” eclesiástico para resguardar o patrimônio temporal, a identidade institucional e que os bens sejam utilizados, a critério do ente eclesiástico, a favor de seu carisma e sua missão.
Sendo assim, a possibilidade de uma “reorganização institucional” fundamenta-se, dentre outros aspectos legais, por “recontar e trazer clareza aos fatos históricos” demonstrando que, ao longo dos anos, a contrapartida socioassistencial foi devidamente cumprida – com louvor – quando se usufruiu da isenção tributária.
[Continua]
Sobre o autor (Márcio Moreira, Me):
Mestre em Administração e Finanças, Auditor, Pós-Graduado em Auditoria Externa, Graduado em Ciências Contábeis, Perito Contábil e Especialista em Gestão Tributária. Professor de Graduação e Especialização: Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA) e Faculdade Vicentina de Curitiba (FAVI).
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Fotos: Pixabay