(Por Márcio Moreira, Me)
Serviços da Igreja
Ao longo da última década, uma parte significativa das entidades confessionais ligadas à Igreja Católica Apostólica Romana, têm intensificado o processo de reestruturação da sua gestão e governança afim de cumprir com as orientações da Santa Sé quanto à utilização dos recursos econômicos a serviço do carisma, da missão e da evangelização.
Obras a serviço da missão
Historicamente muitas instituições da Igreja centraram suas preocupações no direcionamento de evangelização através das obras e, após o Concilio Vaticano II, na opção preferencial desta pelos pobres.
Os religiosos e as religiosas, na manifestação de seus respectivos carismas, se preocuparam em oferecer educação, saúde e assistência social, através de diversas iniciativas corajosas e desbravadoras, por intermédio de centenas de pessoas jurídicas.
A Igreja, no anseio evangélico de servir, disponibilizou a mão de obra qualificada dos religiosos, sua credibilidade nacional e internacional e, em vários casos, o patrimônio eclesiástico, na estruturação de obras confessionais, principalmente colégios, instituições de ensino superior, abrigos e hospitais.
Alimentados e embebidos pelo pão e vinho eucarísticos, os membros das diversas obras, seja nos centros urbanos e rurais, mas, especialmente, nos profundos bolsões de miséria do país, proveram suas ações, também, em atividades humanas e sociais que cabiam ao ente público brasileiro substituindo, em vários casos, a omissão deste.
A lógica de ser uma instituição privada e de livre iniciativa, em vários momentos foi sobreposta pelo interesse do poder público, que passou a instruir a forma de atuação das entidades.
Cita-se, por exemplo, a imposição de condicionantes quanto a quem atender, forma de fazê-lo, usufruto de isenções fiscais e mesmo, uma das mais absurdas, de destinação do patrimônio das próprias entidades (em última instância da igreja), para uma outra instituição congênere ou ao ente público, caso a entidade confessional resolvesse descontinuar suas ações.
Certamente parte destas insígnias limitadoras, determinadas pelo ente público, foram por muito tempo acatadas pelas entidades confessionais da igreja, em nome do atendimento àqueles mais desfavorecidos, mas, nem por isto podem ser considerados como inquestionáveis.
Destaca-se que uma entidade sem fins lucrativos, ao exercer uma atividade assistencial por anos e anos, substitui o seu desembolso tributário pelos gastos com o atendimento aos usuários e beneficiários de suas diversas obras. Num exercício de boa vontade, isto pode ser comprovado tecnicamente pelos próprios registros contábeis das entidades.
Num contexto geral ocorre, na verdade, um desembolso financeiro com atendimento em proporções sensivelmente superiores ao benefício (direito) recebido pelo não recolhimento de um tributo.
A Igreja como Pessoa Jurídica
Sabe-se que o surgimento das pessoas jurídicas, num âmbito geral, demorou alguns séculos para se estabelecer e se concretizar. Tem-se que sua origem se respaldou no Direito romano, com a distinção entre o ente público e o privado, bem como no Direito Canônico, em razão das estruturas institucionais coletivas que emanavam para proteção dos bens eclesiais. No entanto, tal reconhecimento formal (enquanto pessoa jurídica) se deu somente com o Código de Direito Canônico (CDC) de 1917, predecessor do CDC atual (1983).
Apesar da natividade das pessoas jurídicas ter se formalizado na Igreja, no Brasil, apenas em 2003 é que as organizações religiosas foram introduzidas na legislação civil como natureza jurídica (Lei 10.825 de 22/12/2003 que inseriu o Inciso IV do Art. 44 da Lei 10.406/2002 (Código Civil)).
O destaque legal da formalização do estatuto jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil, se deu a partir do Acordo que a Santa Sé (ente jurídico de direito internacional) firmou com a República Federativa do Brasil, em 13 de novembro de 2008, transformado em lei, em fevereiro de 2010, com a edição do Decreto 7.107 em 11 de fevereiro de 2010.
O acordo, dentre as diversas matérias relevantes que validam a liberdade religiosa, reafirma a personalidade jurídica da Igreja Católica e de suas instituições eclesiásticas. Desta forma abarcam-se como organização religiosa, dentre outras, as Congregações, Institutos de Vida Consagrada, as Sociedades de Vida Apostólica e as Prelazias.
Manteve-se, desta forma, com o direito internacional da liberdade religiosa, reservado à Igreja Católica o livre arbítrio de criar, modificar ou extinguir todas as Instituições Eclesiásticas, sendo inclusive vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro.
A natureza jurídica como associação civil, representou, em sua maioria, e historicamente, os interesses dos Institutos de Vida Consagrada (IVC), das Sociedades de Vida Apostólica (SVA), das Dioceses e das demais instituições eclesiásticas.
À época, os estatutos foram parametrizados como associações sem fins lucrativos, voltados, além dos aspectos religiosos, especialmente para o desenvolvimento de atividade educacional, assistência à saúde e ou de assistência social gozando, assim, face à natureza jurídica e fins sociais, da imunidade tributária constitucional (art. 150, Vi, letra c).
Em recentes discernimentos (a partir de uma igreja milenar) diversos entes eclesiásticos, conscientes do relacionamento canônico e hierárquico de obediência que unem suas obras, resolveram se constituir juridicamente como organizações religiosas.
Tais entidades trazem a contemporaneidade de sua data de constituição civil, mas, a identidade e carisma de suas ou seus, às vezes, centenários fundadores.
Na atual reorganização procura-se implementar o pensamento canônico (Cân. 635), explicitado nas constituições das entidades ora aprovadas pela Santa Sé ou, hoje, através da Congregação dos Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, de que os administradores gerenciam bens da Igreja e, mesmo estando atentos ao ministério apostólico, o fazem em prol do bem comum, da justiça, da pobreza e da caridade.
[Continua]
Sobre o autor (Márcio Moreira, Me):
Mestre em Administração e Finanças, Auditor, Pós-Graduado em Auditoria Externa, Graduado em Ciências Contábeis, Perito Contábil e Especialista em Gestão Tributária. Professor de Graduação e Especialização: Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA) e Faculdade Vicentina de Curitiba (FAVI).
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