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Não há misericórdia sem correção – Novas Sanções Penais na Igreja

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(Por Adilson Souza, MSc)

Pascite Gregem Dei” – Apascentai o rebanho de Deus


Sanções na Igreja

No dia 23 de maio/2021, o Papa Francisco apresentou à Igreja e ao mundo, a constituição apostólica que trata das reformas do Livro VI, das Sanções na Igreja, do Código de Direito Canônico (CDC) que entrarão em vigor a partir do dia 8 de dezembro de 2021, entregando, no dia 1° de junho, o texto em sua íntegra. O novo texto – afirmou o Pontífice – é um “instrumento salvífico e corretivo mais ágil, a ser empregado prontamente e com caridade pastoral para evitar males mais graves e para acalmar as feridas causadas pela fraqueza humana”.

À Constituição Apostólica, Francisco nominou e utilizou as palavras de São Pedro (1Pd 5,2), “Apascentai o rebanho de Deus que vos foi confiado, não como por coação, mas de livre vontade, como Deus o quer”.

As mudanças, as mais representativas no CDC desde a sua promulgação no ano de 1983, portanto, há quase quatro décadas, foram frutos de intensos e envolventes trabalhos com o clero, religiosos de vida consagrada, especialistas e canonistas, perpassando o pontificado do Papa emérito Bento XVI até culminar no pastoreio do Papa Francisco.

Na mensagem inicial do então papa João Paulo II, quando da promulgação do CDC, em 1983, ele disse aos membros da Igreja e aos demais, “no decorrer dos tempos, a Igreja Católica costumou reformar e renovar as leis da disciplina canônica, a fim de, na fidelidade constante a seu Divino Fundador, adaptá-las à missão salvífica que lhe é confiada.”

E Francisco, denotando sinal de continuidade aos trabalhos e perpetuando o múnus como Bispo de Roma, destaca como fim último da Igreja, a “salvação das almas” (CDC, 1752) e que as normas devem, “[…] regular a vida da comunidade no decorrer do tempo, (e) é necessário que tais normas sejam estreitamente correlatas com as transformações sociais e as novas exigências do povo de Deus, o que torna por vezes necessário modificá-las e adaptá-las à evolução das circunstâncias.”

Portanto, como São João Paulo II, há praticamente 40 anos, Francisco destaca a importância do aggiornamento conforme os tempos e suas exigências.

As mudanças

As mudanças implementadas e que valerão a partir da festa da Imaculada Conceição, em 08 de dezembro de 2021, foram mais frequentes e representativas no detalhamento das penalidades que, antes, estavam mais condensadas e implícitas.

As alterações destacam os crimes relativos aos abusos sexuais de menores e incapazes, envolvendo membros do clero, dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica, bem como, aos homens e mulheres (fiéis leigos) que gozam de dignidade e executam funções ou assumam cargos na estrutura da Igreja. Encontramos, também, mudanças e destaques quanto à administração dos bens eclesiásticos – ainda detalhada neste artigo -, sobre a violação do segredo papal e o abandono do ministério, dentre outros.

A estrutura interna do Livro VI não sofreu alterações a ponto de provocar nova enumeração do CDC como um todo, mas internamente, o Livro teve mudanças de alguns cânones e parágrafos, bem como a inserção, supressão e detalhamento de alguns temas que serão aqui, em parte, comentadas.

Chama a atenção, já no início do Livro, a inserção do texto (Cânone, 1311), que fala sobre aquele que preside a Igreja e que deve custodiar e promover o bem da comunidade e dos fiéis, com a caridade pastoral, com exemplo de vida, aconselhando e exortando e, se necessário, impondo a legislação mas, com equidade canônica e tendo presente a reintegração da justiça, a correção do réu e a reparação do escândalo. Temos aqui a mostra das mudanças, ou, a que vieram as alterações propostas em todo o Livro VI.

O Cânone 1325 sofre uma alteração e parte do texto que trata daqueles que tenham cometido algum delito em “estado de embriaguez ou outra perturbação da mente” é colocado como um novo parágrafo no cânone seguinte. O detalhe é que o Cânone 1326 diz que o tribunal/juiz “deve punir mais gravemente” os casos expostos, dentre eles, o citado acima, ou seja, abre-se a possibilidade de uma sanção maior caso se verifique tal situação.

Foto: Mãos sob um livro.

Sobre a suspensão de ofícios eclesiásticos, o Cânone 1333 do atual CDC (1983) fala de forma explícita que, “a suspensão, que só pode atingir a clérigos, proíbe: todos […]”. Ou seja, o atual código caracteriza a suspensão exclusiva para os clérigos. No entanto, com o ‘novo Livro’, o texto do cânone é sucinto e claro, “a suspensão proíbe: todos […]”.

Assim, a suspensão abrange todos aqueles (clérigos, religiosos(as) e leigos) que desempenham poder de regime nas obras da Igreja. E, principalmente após o Concílio Vaticano II e a própria promulgação do CDC atual, quando esses cargos vêm sendo, cada vez mais, preenchidos com a frequente presença do laicato.

As “penas expiatórias” – que se dirigem prevalentemente ao restabelecimento da ordem social e a dar um exemplo à sociedade (Hortal, 1983) – foram bem mais detalhadas no Cânone 1336 e dividiu as mesmas quanto às (i) obrigações, (ii) proibições e (iii) privações. E, ainda, inseriu a obrigação ao delinquente em pagar uma multa ou um valor para os fins da Igreja; prevê a proibição explícita do uso de insígnia ou títulos, do uso da voz ativa (votar) ou passiva (ser votado) nas eleições canônicas e do uso do hábito religioso ou eclesiástico.

As privações compreendem, dentre outras, a faculdade de receber a confissão ou de pregar e à privação de toda ou parte da remuneração eclesiástica conforme regulamentado pela Conferência Episcopal. Neste caso, a privação deve levar em conta o Cânone 1350, §1°, que trata sobre a imposição de penas ao clérigo com o devido cuidado para que não lhe falte o necessário para o seu honesto sustento. Assim, chama a atenção a caridade evangélica, similar ao previsto no Cânone 702 para os(as) religiosos(as) quando do desligamento dos Institutos.

No Cânone 1342 tivemos a inclusão de um trecho que trata do direito de defesa, que deve ser resguardado àqueles que estão sujeitos à aplicação das penas. Essa proposição ratifica o Cânone 1720, inclusive citando-o no novo texto. Nos lembra também o Cânone 698, que trata dos membros do Instituto de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida apostólica, bem como, vem ao encontro das leis civis brasileiras que, por analogia concede esse direito àquele que se encontra em risco de exclusão de uma associação. (Lei 10.406/2002, art. 57)

Quanto à prescrição dos delitos temos, no Cânone 1362, uma substancial alteração, dado que, no CDC atual o prazo prescricional varia entre três e cinco anos dentro do direito universal. No ‘novo Livro VI’, porém, os prazos estabelecem sete ou até vinte anos, a depender do delito. Ressalte-se que os prazos discorridos se referem ao direito universal (CDC), fazendo-se necessário especial atenção quanto aos prazos previstos na legislação civil de cada país, bem como sua própria aplicação.

Quanto à violência física contra clérigo ou religioso – prevista no atual CDC (1370, §3°) – por desprezo à fé, à Igreja e outros, o novo texto insere também a previsão da violência contra “um outro fiel”, ou seja, amplia o âmbito das pessoas potencialmente atingidas, inserindo leigos e os vocacionados em processo de formação (tais como seminaristas, postulantes e noviços(as)), a serem punidos os agressores com ‘uma justa pena’, ao invés de ‘censura’, como presente no texto em vigor.

O “novo Livro” prevê, no Cânone 1371, §6°, penalidades para aquele que omite a comunicação da notícia de um delito. As penalidades, agora detalhadamente previstas no Cânone 1336, poderão, neste caso, serem acrescidas de outras penas segundo a gravidade do crime.

[Continua]


Sobre o autor (Adilson Souza, MSc):

Matemático, Mestre em Engenharia Metalúrgica e Especialista em Gestão Estratégica. Superintendente do Axis Instituto e Consultor Organizacional Sênior. Professor de Graduação e Especialização: UIT/Itaúna, Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA) e Faculdade Vicentina de Curitiba (FAVI). Cursando Teologia e aluno da Escola Diaconal da Diocese de Divinópolis/MG.


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Fotos: Pixabay

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