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Métricas em Instituições Católicas

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Métricas: Use com ponderação!

(Por Dr. Sebastião V. Castro)

Introdução

O surgimento de sistemas de gestão “científica”[1], a partir do início do século XX, trouxe à tona a utilização de conceitos e ferramentas das ciências exatas, notadamente da Matemática e da Física, para buscar compreender os fenômenos administrativos e gerenciais.

Ademais, ganhou força, já a partir da revolução industrial (séc. XIX), a Economia, cada vez mais tomada como suporte inescapável à atividade industrial.

Conceitos, termos, ideias e ferramentas das ciências exatas e econômicas foram sendo imputados a e absorvidos pelas ciências “práticas” ou aplicadas, especialmente as engenharias, as ciências gerenciais, e também as humanas e sociais.

Nessa absorção lenta e inexorável, aspectos ou dimensões clássicas importantes dessas últimas acabaram por ser minimizados ou esmaecidos, senão totalmente esquecidos, abrindo espaço para os conceitos recém-chegados.

Referimo-nos, aqui, a facetas das dimensões humanas, espirituais, emocionais, sociais e políticas que, frente à pressão do pensamento econômico, tornado cada vez mais dominante, foram sendo relegados a planos secundários. A própria validade “científica” dessas facetas passa a ser cada vez mais questionada, exatamente como tentativa de desqualificá-las e de lhes negar espaço, vida e voz.

Esta curta reflexão busca discutir alguns desses aspectos, a partir da percepção, pelo autor, da ubiquidade da utilização dos conceitos econômicos e suas métricas, na avaliação dos trabalhos desenvolvidos nos espaços de missão das Congregações e da igreja: em suas escolas, universidades, hospitais, residenciais de idosos, obras sociais e paróquias.


A escalada do pensamento econômico e sua relação com outras ciências


O advento da ciência econômica[2] e sua posterior propagação exponencial representam um grande marco para as ciências gerenciais e administrativas, talvez mesmo um ponto de inflexão. Ganhando o território dessas últimas, a Economia imiscuiu-se e capilarizou-se em todos os sistemas, organizações, instituições e corporações de todos os portes e de todos os segmentos, derrubando barreiras políticas e ideológicas. Nesse sentido, a Economia tornou-se transnacional e absolutamente global.  

As grandes corporações privadas talvez tenham sido as primeiras a abraçarem os conceitos da ciência econômica, trazendo-os para o chão de fábrica e para as mesas dos gestores. Daí para os ambientes decisórios e de elaboração de políticas públicas dos governos foi um pequeno salto. Termos e conceitos econômicos como “produtividade”, “eficiência” e “eficácia” passaram a fazer parte do vocabulário cotidiano de administradores, engenheiros e políticos.

Num efeito cascata, esses e muitos outros conceitos econômicos transbordaram para outras organizações e áreas. Por essa porta é que chegaram às escolas, aos hospitais e sistemas de saúde como um todo, à segurança pública, às obras sociais, ao meio religioso e às igrejas. A economia tornou-se, pode-se dizer, não só ubíqua, mas totalitária.

O passo seguinte, em termos de estratégia ideológica, consistiu em transformar os conceitos econômicos e, já agora, gerenciais, em verdades “naturais”, como os raios e trovões, os ventos, os movimentos das marés. Isso foi feito, primeiramente via ensino, nas academias, que produzem ciência, validam e disseminam conceitos e, depois, através da grande mídia, em revistas especializadas e naquelas que “traduzem” a ciência para o grande público.  

Esse esforço de décadas e séculos teve como objetivo fazer com que tais conceitos impregnassem completamente todo o tecido do pensamento humano, transmutando-se em senso comum e, portanto, para o cidadão médio e para o “técnico” com vernizes de conhecimento científico, se tornasse “Verdade”.

Tornando-se paradigmáticos, repensá-los e, eventualmente, mudá-los, ou mesmo, pensar “fora deles” era, e continua sendo, praticamente uma heresia, além de ser difícil tarefa para o cidadão comum.

Como nos ensina Kuhn[3], a existência de um paradigma pode levar a uma “miopia de paradigma”, em que não se consegue enxergar “fora” do mesmo ou para além dele. Além do mais, a “naturalização” de conceitos e fenômenos sociais e humanos é uma das mais eficazes estratégias para tornar tais ideias impermeáveis ao questionamento e à mudança.

Aqui, vale também ressaltar que a Economia, como todas as outras ciências, não é neutra, nem produzida no vácuo. Em outras palavras, a produção de ciência é afetada pelos diversos matizes culturais, sociais, políticos e econômicos de cada época e lugar. Sistemas políticos e econômicos dominantes “produzirão” mais ciência que lhes dê suporte e validação, e menos ciência que os critique e os desnude.

[Continua]


Sobre o autor (Sebastião Castro, Dr.):

Doutor, área de Políticas Públicas; Especialista em Gestão de Pessoas nas Organizações; Governance, Risk and Compliance (Lisboa); Mestre em Meio Ambiente (UFMG); Especialista em Recursos Hídricos (Aston University, Inglaterra); Especialista em Gestão e Manejo Ambiental (UFLA); Perito Judicial Ambiental; Professor Ex-Diretor de Escolas; Coordenador de Projetos Internacionais de Educação; Viagens técnicas (meio ambiente e educação) a mais de 30 países; Consultor, há mais de 20 anos, nas áreas de Gestão e Educação, para mais de uma centena de escolas e IES católicas. Autor de “Gestão de Pessoas em Instituições Confessionais” e “Perda de Alunos nas Escolas Católicas”.


[1] Lançamento, por Frederick Taylor, em 1911, de “Princípios da gestão científica”.

[2] Considera-se “surgimento” da economia como ciência o lançamento, por Adam Smith, da obra: “”Uma investigação sobre a natureza e a causa da riqueza das nações“, em 1776 (Barber, 1967)

[3] Thomas Kuhn – A Estrutura das Revoluções Científicas.


FOTO: Pixabay

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