(Por Márcio Moreira, Me)
A Contabilidade
Registrar e controlar o que se tem, independentemente de “pouco”, “suficiente” ou “muito”, provavelmente faz parte da formação cultural de busca de segurança de grande parte dos seres humanos. Tais ações conduzem a uma evolução científica inquieta, com questões a serem desvendadas, elucidadas e aprimoradas e que, vez por outra, fazem confrontar a limitação racional do “Ter” com o mistério “Divino”.
Num exemplo bíblico do paralelo entre o humano e o sacro temos Pilatos, governador da província da Judéia, inquirindo Jesus quanto ao seu reinado. Este, ao responder, se proclama “Rei da Verdade”, e acrescenta “O meu reino não é deste mundo” (João, 18,36) e o mesmo Jesus, em outra passagem, esclarece “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.» (Mateus 22, 21).
Portanto, o ser humano, evolui, pensa, discerne e, diante de um futuro incerto, quando lhe é permitido, reúne aquilo que é material (patrimônio), procurando fazer deste petrecho uma garantia de realização, satisfação pessoal e um teórico sossego para os dias que virão.
Historicamente, a gestão dos bens e direitos é um desafio que, mesmo empiricamente, remonta aos fenícios (habitantes da Fenícia, antigo país no litoral da Síria), há cerca de dois milênios antes de Cristo num, então, mercado baseado na troca mercadorias, servindo para quantificar quanto se possuía de um determinado produto e quanto esta quantidade poderia representar em relação a outro.
Por consequência, ao mundanamente acumular, registrar e desejar proteger o seu patrimônio, o homem desenvolveu, como parte das ciências sociais, a “contabilidade”, que se dedica a gerar informação quanto à valoração e controle qualitativo e quantitativo de seus bens, seus direitos e suas obrigações que podem, de alguma maneira, interferir na variação de suas posses.
O pai da contabilidade
Foi, no entanto, dentro dos muros conventuais da Ordem Franciscana da Igreja Católica Apostólica Romana que a ciência contábil rompeu com o empirismo e passou a uma fase mais sistematizada e organizada.
O italiano, natural da região da Toscana, Luca Bartolomeo Pacioli (1445-1517), professor de matemática e monge franciscano, encarregado de ser tutor, em 1470, dos filhos de um comerciante da cidade de Veneza foi quem desenvolveu e registrou, por necessidade prática, em suas primeiras obras literárias que tratavam de aritmética, geometria e proporções, o método contábil das partidas dobradas.
A metodologia do Frade Franciscano, que se tornou superior dos Franciscanos da Província de Roma em 1505, até hoje utilizada pelos contabilistas da era digital, registrou a interligação e o equilíbrio existente entre patrimônio (ativo e passivo) e resultado (receita e despesa), ao afirmar que o total de débitos (bens, direitos e receitas) deve ser exatamente igual ao total de créditos (obrigações internas, externas e as despesas).
A obra do Frei Pacioli credenciou-o a ensinar matemática em Milão, oportunidade em que seu aluno e amigo Leonardo da Vinci, foi influenciado em seus traços artísticos pelo franciscano, vindo este a ilustrar um dos livros do monge que tratava das proporções artísticas (De Divina Proportioni, 1509).
A ciência contábil possui, além do Frade Luca Pacioli, figura central e um dos seus mais importantes pensadores e considerado pelos estudiosos como o pai da contabilidade moderna, outras ligações com a Igreja de Roma. Destaca-se este elo num dos principais objetos de estudo da contabilidade atual, qual seja, o “patrimônio das pessoas jurídicas”.
Foto: Livro contábil.
O Patrimônio das Pessoas Jurídicas
A denominação “pessoa jurídica”, que se aplica nos dias atuais às entidades ou corporações, comerciais ou não, possui sua origem no direito romano. Tem-se que a igreja, desejosa de separar o que lhe cabia quanto ao patrimônio, em relação àquele dos demais institutos religiosos que se formavam a partir de suas próprias estruturas, desenvolveu tal denominação.
Este conceito de pessoa jurídica (enquanto instituição) distinto da pessoa física (ente natural), pouco evidente na época do escambo e das manufaturas, mas gestado empiricamente com sobreposição e cruzamento de papeis da “instituição” e do seu “proprietário”, quando da revolução industrial (1760-1840), veio a calhar com o interesse da cúria romana que o registrou formalmente, por motivos óbvios de proteção do patrimônio institucional.
Tais fatos, que levaram ao reconhecimento da pessoa jurídica, se consolidou no Código de Direito Canônico (CDC) de 1917 e se mantem até hoje no Código que o sucedeu (1983). Cita-se, por exemplo, no § 2 do Cânone113 que “Na Igreja, além das pessoas físicas, há também pessoas jurídicas, isto é, sujeitos no direito canônico, de obrigações e direitos, consentâneos com a índole delas”.
Tem-se, assim, atestado o elo desta qualificação canônica da pessoa jurídica das entidades, iniciada formalmente no código, com o objeto da ciência contábil, pois ambas se dedicam a segregar e distinguir os bens, direitos e obrigações das pessoas físicas daqueles das pessoas jurídicas e, ainda, estas últimas dentre si com suas diversas subdivisões de naturezas jurídicas (ex.: associações, fundações, institutos de vida consagrada e sociedades empresarias).
A igreja, com proveito próprio, contribuiu de forma relevante para a estruturação da contabilidade. No entanto a ciência contábil tomou rumo conveniente e se organizou em direção à demonstração racional de registrar e controlar certos acontecimentos, fatos e fenômenos que retratassem o patrimônio e o resultado das atividades das diversas instituições.
Certamente, tem-se nos tempos atuais quanto à ciência contábil, como também em outras áreas do conhecimento, uma aceleração progressiva e geométrica que se deu principalmente a partir da revolução industrial e da estrondosa evolução tecnológica à qual todas as pessoas físicas e jurídicas ficaram sujeitas e tiveram que se adaptar.
[Continua]
Sobre o autor (Márcio Moreira, Me):
Mestre em Administração e Finanças, Auditor, Pós-Graduado em Auditoria Externa, Graduado em Ciências Contábeis, Perito Contábil e Especialista em Gestão Tributária. Professor de Graduação e Especialização: Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA) e Faculdade Vicentina de Curitiba (FAVI).
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Fotos: Pixabay