O futuro da educação: Metaverso? (Parte II)

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(Por Sebastião Castro, Dr.)

Conceito, usos e aplicações do metaverso

Na parte I deste artigo, discorremos sobre o conceito de metaverso, alguns de seus usos e aplicações atuais, e levantamos algumas questões a respeito do mesmo. Nesta parte II buscarei trazer elementos para tentar responder algumas das reflexões já propostas, enquanto procurarei avançar para as bases científicas da educação, em ambiente de metaverso. Diversas pesquisas nas áreas de neurociências, psicologia e pedagogia serão citadas, trazendo um pouco do que se está pesquisando, mundo afora, a esse respeito.

As bases científicas para a aprendizagem no metaverso

Embora o modelo “aprender fazendo” talvez seja o mais antigo para a aprendizagem efetiva, somente agora, a partir de estudos da neurociência, começa-se a compreender como ele, de fato, funciona. Em estudos com observação direta do cérebro via tomografias computadorizadas, tem sido possível identificar diversos tipos de redes neurais  que são ativadas, de forma muito similar ao que ocorre no mundo real,  nos ambientes virtuais, a partir de realidades simuladas

Esses conhecimentos têm sido particularmente importantes para programas de treinamento em empresas, em que se procura desenvolver habilidades interpessoais, de comunicação e sociais, para criar, por exemplo, relações mais empáticas com clientes, inclusive a partir de cenários e situações que envolvem diversidade, equidade e inclusão.  

A evolução das pesquisas em neurociência tem evidenciado como a atividade cerebral está ligada ao comportamento; neste sentido, por exemplo, foram identificadas redes neurais envolvidas no sistema de aprendizagem por reforço, baseada na liberação natural e interna de dopamina a partir da recompensa que o sujeito recebe, quando acerta algo ou quando experimenta um estímulo positivo

Esse “esquema” neuronal de aprendizagem por reforço foi descoberto, nos anos 90, por neurocientistas computacionais e consiste na liberação de dopamina, por neurônios que a produzem, e em face de uma recompensa inesperada, para a região cerebral responsável pelo controle motor do corpo e pela formação de hábitos, os gânglios basais (envolvidos na modulação dos movimentos e da postura corporal, formando a memória processual) . 

Esse “esquema” é que está por trás do onipresente “toque” ou sinal ou “push” do celular, e que nos faz checar, a todo momento, o que está chegando pelo aparelho. Esse conhecimento é fartamente utilizado pelas mídias sociais para manipular o sistema dopaminérgico do corpo humano, levando a mudanças de comportamento dos usuários das referidas mídias, podendo criar excitação, ansiedade, depressão, etc. 

Dessa forma, as redes sociais utilizam os achados dessas pesquisas para, de certo modo, terem acesso às redes neurais do cérebro humano, de modo a fragmentar a nossa concentração, criar ansiedade e, eventualmente, depressão e nos “viciar” em conteúdos, assim manipulando nosso comportamento social. Nem todos os comportamentos humanos, no entanto, podem ser explicados por esse sistema de recompensa.

Os algoritmos de inteligência artificial até agora utilizados para esses fins citados baseiam-se no sistema de aprendizado por reforço; esses algoritmos, por sua vez, levam em conta o passado de cada pessoa, para predizer o seu comportamento futuro. No entanto, novos algoritmos, amparados por achados mais recentes da neurociência, vão além do esquema de aprendizagem por reforço; eles combinam predições baseadas não só no sistema de reforço por dopamina, mas também no sistema de recompensa mais complexo, que envolve memória espacial; assim, muito provavelmente vão se tornar o futuro das mídias sociais

O metaverso, por sua vez, está começando a criar novos ambientes para os usuários, imitando funções cerebrais que criam espaços contextualizados complexos, o que será  fundamental para guiar as inteligências artificiais na criação da complexa simbiose entre humanos e máquinas em espaços 3D

Pesquisas em neurociência têm mostrado que as regiões do cérebro (gânglios basais, hipocampo, etc) que codificam os componentes principais da memória experiencial (contexto e navegação espacial) são essenciais para fundir novas informações àquelas já existentes e para universalizar a solução de  problemas, elementos críticos da inteligência humana e ainda não presentes na inteligência artificial atual. 

A nossa percepção de contexto (local onde estamos e diversos elementos da situação presente) é formada pelo hipocampo e é crítica para a nossa habilidade de criar mapas espaciais, depois integrados em mapas mentais, à medida que vivenciamos outras experiências. Através desses processos, o hipocampo rapidamente integra novas informações à sua rede interna, constrói modelos futuros do mundo (por exemplo, quando imaginamos algo) e atua ao nos lembrarmos de experiências passadas, usando-as  para generalizar nosso conhecimento.  

Metaverso, aprendizagem e relações sociais

Uma pergunta relevante sobre a aprendizagem é se crianças podem transferir o seu conhecimento, obtido de leituras em livros, para contextos do mundo real. Dados sugerem que sim, embora menos do que se tivessem aprendido em contextos reais. Neste sentido, a construção de relações sociais está na base de toda a aprendizagem. 

Uma criança que está interagindo com um dos pais apresenta respostas oportunas, contingentes, semanticamente apropriadas e emocionalmente alinhadas. Pesquisas sugerem que uma sincronia mais forte entre o cuidador e a criança apoia o crescimento e a conectividade do cérebro, bem como o aprendizado precoce

Estudos recentes (Laura Myers &  Martha Arterberry (ed.), 2021; Sho Tsuji, Anne-Caroline Fiévét, Alejandrina Cristia, 2021) demonstraram que um agente virtual, ainda que espelhe ou imite muito bem um humano, numa relação com uma criança de dois anos de idade,  não substitui uma pessoa real; e que uma criança de quatro anos que lê algo junto com seus pais aprende mais do que quando lê sozinha; níveis de excitação fisiológica e emoção medidos sugerem um vínculo especial da criança com os pais. 

Para crianças mais velhas, a sincronia verbal e o engajamento social com outros humanos, permitem que elas entendam melhor o conteúdo apresentado, criando uma atividade cerebral sincronizada

Ocorre que, nas relações sociais, a expressão emocional, o vínculo, o toque, o cheiro e a linguagem corporal são formas importantes de comunicação que estão ausentes num mundo virtual, e até mesmo no metaverso, em seu atual estágio. A interação social poderia ser preservada se o ambiente virtual servisse como uma solicitação ou um “estímulo” para interações entre pessoas reais no cenário real ou virtual, em vez de um substituto (avatar) para a interação. Neste sentido, o metaverso pode ser uma ferramenta a ser utilizada por um docente para estimular a aprendizagem e a interação social de seus alunos, mas não substitui esse professor.

 

 

[Continua]

Sobre o autor (Sebastião Castro, Dr):

Doutor, área de Políticas Públicas; Especialista em Gestão de Pessoas nas Organizações; Governance, Risk and Compliance (Lisboa); Mestre em Meio Ambiente (UFMG); Especialista em Recursos Hídricos (Aston University, Inglaterra); Especialista em Gestão e Manejo Ambiental (UFLA); Perito Judicial Ambiental; Professor Ex-Diretor de Escolas; Coordenador de Projetos Internacionais de Educação; Viagens técnicas (meio ambiente e educação) a mais de 30 países; Consultor, há mais de 30 anos, nas áreas de Gestão e Educação, para mais de uma centena de escolas e IES católicas. Autor de “Gestão de Pessoas em Instituições Confessionais” e “Perda de Alunos nas Escolas Católicas”.

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Fotos: Pixabay

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