(Por Sebastião V. Castro, Dr)
O Universo educacional
No contexto atual, de rápidas mudanças tecnológicas, sempre nos perguntamos: e a educação? Como essas mudanças vão afetar a educação formal, os sistemas de ensino públicos e privados? E, ainda que já possam ser vistos impactos e avanços na utilização da tecnologia – internet, aulas remotas, softwares diversos, material didático digital, etc – nas salas de aula, especialmente nas escolas privadas (escancarando, cada vez mais, o “gap” entre a escola pública e a privada), o “modelo” educacional clássico[1] é, ainda, prevalente no Brasil.
Com o advento do metaverso esse modelo “clássico” pode mudar drasticamente, nos próximos anos. Este artigo, dividido em duas partes (a segunda será apresentada no próximo número da Vertentes), traz alguns elementos para reflexão concernentes ao possíveis impactos dessa nova tecnologia sobre o universo educacional da educação básica.
Conceituando metaverso
O que se está chamando de metaverso é um mundo virtual paralelo, que busca emular o mundo real onde vivemos, utilizando tecnologias como a internet, a realidade virtual e a realidade aumentada.
Os estudiosos do tema e aqueles que já estão imersos no mesmo, construindo tais “universos paralelos” consideram que o metaverso poderá ser mais disruptivo para a nossa vida, em todos os aspectos, do que foi e está sendo a própria internet. Estamos, neste sentido, ainda nos primeiros passos do desenvolvimento do metaverso, como estávamos, na internet, em 1995, com o acesso discado e rede absolutamente limitada, um pálido esboço do que é, hoje, a internet.
A experiência no metaverso pode ser ou não imersiva[2], ou seja, com um computador ou celular se pode, também, acessar e assistir a um evento ou “realidade” que esteja ocorrendo no metaverso; a qualidade da experiência não-imersiva é que será diferente daquela imersiva.
A primeira vez que o termo “metaverso” foi utilizado ocorreu num livro, publicado em 1992, (Snow Crash – intitulado Nevasca, no Brasil), de ficção científica, escrito por Neal Town Stephenson, escritor americano, descrevendo um espaço virtual coletivo, similar à realidade “concreta”, habitado por avatares digitais dos personagens, para fugirem ou escaparem de uma realidade distópica.
As plataformas mais comuns de metaverso, hoje, são: Decentraland, Axie Infinity, Roblox, Fornite, Mesh, Sandbox, Espaço Somnium, Meta (antigo Facebook), dentre outras. O “Second Life”, muito popular no início dos anos 2000 (foi lançado em junho de 2003) pode ser visto como um dos precursores do metaverso. No entanto, qualquer um pode, em tese, criar a sua plataforma e o seu metaverso, desde que possua a tecnologia e o conhecimento para isso.
Por outro lado, ainda que esteja em sua fase inicial de concepção e de desenvolvimento em termos de softwares e hardwares, tecnologias que estão assomando à nossa porta, como o 5G, novas placas de vídeo e processadores muito mais potentes, novos óculos de realidade virtual e tecnologias vestíveis (luvas, capacetes, relógios, anéis, jaquetas e outras peças de roupas com eletrodos, além de um sem número de outros “gadgets”) impactarão, dentre outras, as áreas de esporte, turismo, moda, segurança, acessibilidade, saúde e educação, que “migrarão”, cada vez mais, para o metaverso.
A realidade virtual, amplificada pelos dispositivos vestíveis, e ainda potenciada pela realidade aumentada, permitirá ao usuário, uma vez no metaverso, um acesso praticamente ilimitado a novas experiências e novas aprendizagens, de forma quase literalmente idêntica à experiência concreta propiciada pela vivência no mundo real, com sensações táteis, olfativas, gustativas, visuais e auditivas, elevando a experiência virtual a patamares ainda não conhecidos, hoje.
Como o desenvolvimento do metaverso está em seus primeiros passos, há um universo ilimitado de possibilidades de experiências, de simulações de ambientes reais ou imaginados e de situações propiciadoras de entretenimento, prazer ou aprendizagem. Nesse sentido, como não pensar em impactos profundos à área de educação?
De fato, essa área poderia ser uma das maiores beneficiárias desse “novo mundo”, na medida em que a aprendizagem mediada por tecnologia, via experiência “vivenciada” é, como sabemos, muito mais potente do que aquela apenas ideada ou imaginada.
Cursos livres, educação superior e educação básica
O metaverso avança a passos largos nos chamados “cursos livres”, ou seja, aqueles que não dependem de regulamentação do MEC (no caso do Brasil) ou de outras instâncias legais. Nesses cursos, geralmente com menor carga horária, e abertos quanto aos temas, trabalhando com o conceito de “micro-aprendizagem” e, ainda, “libertos” de avaliações e de outros ritos pedagógicos ou legais que acabam por cercear o processo educativo, as possibilidades e os usos concretos dos conceitos e das tecnologias já estão presentes num sem número de instituições, no Brasil e no exterior, em praticamente todas as áreas do conhecimento.
Na educação superior, pelo fato de os alunos/as já serem adultos, o imperativo da formação da personalidade deixa de exercer tanta pressão ou preocupação, como no caso da educação básica e, então, a probabilidade de as instituições de ensino superior se engajarem mais rapidamente no ensino pelo metaverso é, a meu ver, mais forte.
Some-se a isso o fato de que o metaverso pode trazer grande economia e melhor eficiência às IES, podendo, em grande parte, substituir módulos de laboratórios, de equipamentos de simulação, partes relevantes de pesquisas de campo e laboratoriais, etc.
Na educação básica, para além dos requisitos acadêmicos (ou seja, conteúdos científicos específicos de cada disciplina), há que se considerar que a interação social, traduzida pela gama de comportamentos, discursos, práticas relacionais, interações pessoais e atitudes diárias entre alunos, entre esses e professores, equipes técnicas dos colégios (direção, pedagogas, assistente social, etc), equipe administrativa (secretaria, tesouraria, manutenção, limpeza, etc), exerce importante papel na socialização de crianças e jovens, na sua inserção e inclusão no mundo social, cultural, afetivo e espiritual, representado pelo microcosmo das escolas.
E, é claro, essas interações também poderão ocorrer via metaverso, a depender da plataforma e da “totalidade experiencial”[3] que cada escola adotar. Cada colégio (ou rede de colégios) pode optar por ter uma “experiência total” do aluno no metaverso; outras instituições poderão adotar “mundos mais restritos”.
De todo modo, não sabemos, ainda, como uma opção mais “total” pela aprendizagem no metaverso vai impactar, por exemplo, as relações interpessoais reais dos alunos, quando saírem do mesmo e irem para o recreio, para os jogos e os esportes “reais”, quando chegarem à escola ou quando forem para casa. Esse será, na verdade, um rico campo de estudos para a Psicologia e para as neurociências.
Uma das questões relevantes que se pode colocar, nesse sentido, é: quão eficazes serão as aprendizagens sociais e a própria aprendizagem acadêmica, seja no campo teórico, seja no campo prático, com a imersão no metaverso? Aprender a montar e a realizar um experimento de Física ou de Robótica, no metaverso, trará as mesmas “aprendizagens” e habilidades (motoras, por exemplo), necessárias a essas montagens, na realidade concreta?
[Continua]
[1] Por “modelo clássico”, aqui, queremos dizer: sala de aula tradicional, com lousa, carteiras enfileiradas (na grande maioria das disciplinas), um professor à frente, espaço relativamente reduzido, turmas, em geral, com mais de 30 alunos (nos segmentos Fund. II e Médio), método tradicionalmente expositivo (com uso de datashow e powerpoint), aulas de laboratório eventuais, informática como recurso limitado.
[2] “Imersiva” é a experiência quando se utiliza óculos de realidade virtual, manoplas, etc, permitindo ao usuário “entrar” no mundo virtual. Com equipamentos vestíveis a experiência se torna “mais imersiva”.
[3] Estou chamando de “totalidade experiencial” o “desenho” que cada colégio poderá fazer, no seu metaverso; vai incluir todos os tipos de relacionamento dos alunos (e aí, os pais e outros atores sociais e comunitários teriam que ser incluídos), ou somente os relacionamentos entre aluno-aluno, aluno-professor, e com os conteúdos temáticos de cada disciplina? Múltiplas possibilidades serão colocadas, num futuro próximo.
Sobre o autor (Sebastião Castro, Dr.):
Doutor, área de Políticas Públicas; Especialista em Gestão de Pessoas nas Organizações; Governance, Risk and Compliance (Lisboa); Mestre em Meio Ambiente (UFMG); Especialista em Recursos Hídricos (Aston University, Inglaterra); Especialista em Gestão e Manejo Ambiental (UFLA); Perito Judicial Ambiental; Professor Ex-Diretor de Escolas; Coordenador de Projetos Internacionais de Educação; Viagens técnicas (meio ambiente e educação) a mais de 30 países; Consultor, há mais de 20 anos, nas áreas de Gestão e Educação, para mais de uma centena de escolas e IES católicas. Autor de “Gestão de Pessoas em Instituições Confessionais” e “Perda de Alunos nas Escolas Católicas”.
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Fotos: Pixabay