(Por Regina Ribeiro , Espec.)
Mercado dos Planos de Saúde
O mercado brasileiro de planos de saúde disponibiliza três modalidades de contratação: individual (também chamada de familiar), coletiva empresarial e coletiva por adesão. Segundo a ANS – Agência Nacional de Saúde, as modalidades coletivas representam 80,8% dos usuários da saúde suplementar no Brasil.
Os contratos individuais ou familiares são aqueles firmados entre a operadora de plano de saúde diretamente com pessoas físicas, em seu favor e dos membros da sua família. Nos coletivos empresariais, o contrato com a operadora não é entabulado diretamente com os usuários dos serviços médicos, mas com uma empresa, que o faz em favor de seus sócios, administradores, empregados e respectivos dependentes.
Os planos coletivos por adesão caracterizam-se pela contratação da operadora por pessoa jurídica de caráter profissional, classista ou setorial, a exemplo dos conselhos profissionais, entidades de classe, sindicatos, cooperativas, fundações etc.
Neste caso, os beneficiários serão as pessoas inscritas como associados, sindicalizados, cooperados e seus dependentes. Para entender como funciona esta modalidade, basta pensar em um contrato firmado entre a operadora de plano de saúde e o Sindicato dos Professores, o CRMV, o CREA etc., em favor dos respectivos membros: professores, veterinários, engenheiros etc.
Perigos da Contratação Coletiva
Embora haja significativas diferenças normativas entre cada modalidade de contratação, o objeto deste artigo visa a demonstrar os perigos da contratação coletiva de planos de saúde, principalmente a empresarial. O tema ganhou especial relevância quando do último levantamento da ANS, de julho de 2019, segundo o qual, 66,9% das pessoas que têm acesso a um plano de saúde estão inseridas em um contrato coletivo empresarial.
Como é sabido, tem sido cada vez mais difícil encontrar uma operadora de plano de saúde que disponibilize a venda de contratos individuais ou familiares. As detentoras de maior prestígio no mercado passaram a firmar contratos exclusivamente com pessoas jurídicas (contratos coletivos, portanto), ainda que o grupo de beneficiários contratante não ultrapasse três ou quatro vidas.
As raras operadoras que ainda negociam contratos individuais desdobram-se para convencer os consumidores a contratá-las por intermédio de pessoa jurídica, seja ela empresa ou associação, a ponto de oferecer mensalidades até 40% menores quando comparadas com o mesmo produto contratado individualmente.
Este apelo das operadoras por firmar contratos coletivos não é em vão. A partir de 1º de janeiro de 1999, a Lei 9.656/98 e a ANS – Agência Nacional de Saúde, passaram a regulamentar os contratos de planos de saúde, não apenas para elaborar e impor às operadoras o rol de procedimentos médicos exigíveis pelo consumidor, mas, também, para fixar limites aos índices de reajustes das mensalidades, regras sobre rescisão contratual, portabilidade, dentre outras.
Diante disso, o que até 1998 era regulado exclusivamente pelas Leis Civil e Consumerista, a partir de 1999, passou a submeter-se a um regramento normativo diferenciado, com o fito de proteger o consumidor em tema especialmente sensível: o acesso à saúde suplementar.
Ocorre que tanto a Lei 9.656/98 quanto os atos normativos da ANS acabaram por conceder, aos consumidores de planos individuais, algumas garantias não estendidas aos contratos coletivos. Este fato acabou por tornar os planos individuais menos lucrativos, quando comparados com os contratos coletivos.
Contratos Coletivos
Via de consequência, as operadoras de planos de saúde passaram a empenhar-se vigorosamente para convencer o consumidor a firmar contratos coletivos, em detrimento dos individuais ou familiares. Para isso, encareceram significativamente as mensalidades iniciais dos planos de saúde individuais e reduziram os preços iniciais dos contratos empresariais.
Só para se ter uma ideia do impacto deste fenômeno no mercado de saúde suplementar brasileiro, segundo o IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, nos seis primeiros anos de vigência da Lei n.º 9.656/98, a participação dos contratos coletivos no mercado de planos de saúde teve um aumento de 184% se comparada à expansão dos contratos individuais.
A primeira diferença normativa entre os dois tipos de contratação – individual e coletiva, que acarretou a pressão das operadoras pela contratação coletiva, pode ser observada no artigo 35-E, III da Lei 9.656/98, verbis:
É vedada a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato individual ou familiar de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei por parte da operadora, salvo o disposto no inciso II do parágrafo único do art. 13 desta Lei[3]. (grifo nosso)
Este dispositivo foi acrescido à redação original da Lei no ano de 2001, para impedir que planos de saúde individuais pudessem ser rescindidos unilateralmente pelas operadoras contratadas, se e quando deixarem de atender-lhes às expectativas financeiras.
Sua redação precisa ser interpretada a contrario sensu, ou seja, pelo que ela deixa de dizer: como a vedação dirige-se apenas aos contratos individuais e familiares, se o contrato for do tipo coletivo, a operadora poderá, a qualquer tempo, desistir da contratação. Para isso, bastará notificar a pessoa jurídica contratante com antecedência de trinta dias. E assim, não raro, tem sido aquiescido pelos tribunais de todo o país, inclusive o Superior Tribunal de Justiça[4].
Cancelar os Planos
Na prática, esta permissão legal implica na possibilidade de as operadoras cancelarem contratos coletivos que, após a data da contratação, tornarem-se dispendiosos ou, nas palavras das operadoras, transformarem-se em carteiras de alta sinistralidade, seja porque o grupo envelheceu ou alguns de seus membros adoeceram.
Imaginemos uma empresa que, em favor de seus sócios e empregados, tenha contratado um plano de saúde para 200 vidas. Passado algum tempo, três ou quatro membros adoecem e passam a demandar tratamentos médicos caros, a exemplo das próteses ou quimioterapias de última geração. Este contrato deixará de ser atrativo à operadora e a Lei garantir-lhe-á o direito de rescindi-lo, mesmo com as mensalidades em dia.
Num primeiro momento, esta rescisão contratual pode não acarretar grandes preocupações à empresa contratante, afinal, há outras operadoras no mercado, as quais, em tese, poderão substituir o contrato recém-rescindido. Ocorre que, no exemplo ora em comento, dificilmente esta pessoa jurídica conseguirá contratar outra operadora de plano de saúde pois, se da noite para o dia esta carteira de clientes deixou de interessar à primeira, não será diferente para a sucessora.
Fato é que, quando o grupo contratante passa a ser dispendioso, seja porque é composto por grande número de idosos, cuja saúde costuma requerer maior número de internações, seja por demandar tratamentos médicos de alto custo, as operadoras sequer enviam orçamentos.
Lado outro, se cada uma das 200 vidas deste exemplo, após a rescisão do contrato coletivo, decidir contratar um plano de saúde individual ou familiar, terá de cumprir prazos de carência e de preexistência, os quais chegam a limitar determinados tratamentos médicos por até 24 meses contados da data da contratação[5].
Embora já existam normas que amparem esses consumidores através da chamada portabilidade de carências, são incontáveis as exigências e exceções regulamentares para que um contrato possa ser portado e, além disso, a linguagem utilizada é inacessível ao leigo, fatos que, por vezes, acabam deixando o consumidor sem alternativas.
[Continua]
[3] O excepcionado inciso II do parágrafo único do art. 13 da Lei 9.656/98 cuida das hipóteses de inadimplência ou fraude do consumidor, ao preencher sua Declaração de Saúde com informações conhecidamente falsas na data da assinatura do contrato. Nestes casos, a Lei assegura, às operadoras, o direito à rescisão contratual, em qualquer modalidade de contratação.
[4] Veja-se, por exemplo: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE COLETIVO. RESCISÃO UNILATERAL. POSSIBILIDADE. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. O disposto no art. 13, parágrafo único, II, da Lei nº 9.656/1998 não se aplica aos contratos de plano de saúde coletivos, admitindo-se a resilição unilateral, mediante prévia comunicação a contratante. Precedentes. 3. Na hipótese, rever o entendimento do tribunal de origem, que registrou a ocorrência da prévia notificação da recorrente acerca da rescisão contratual, esbarraria no óbice da Súmula nº 7/STJ. 4. Agravo interno não provido. (STJ – AgInt no AREsp: 1509257 SC 2019/0154025-5, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 28/10/2019, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/11/2019).
[5] Sobre prazos de carência e preexistência, conferir o artigo 12, inciso V da Lei 9.656/98 e a Resolução Normativa – RN n.º 162, De 17 De Outubro De 2007.
Sobre a autora (Regina Ribeiro, Espec.):
Advogada com atuação exclusiva no Direito Médico e à Saúde, especializada em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito, em Direito Civil pela PUC Minas, mestre em Direito Privado pela PUC Minas.
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Fotos: Pixabay