(Por Francesca Giani, Dra)
Pobreza sagrada e bom exemplo
Conta a lenda perugina que São Francisco, gravemente doente e próximo à morte, esforçou-se por escrever no testamento que “todas as casas dos irmãos devem ser feitas de barro e madeira, em sinal de pobreza e humildade e que as igrejas que se construam para eles sejam pequenas.” Anteriormente, ele havia convidado os frades a escolherem “terras suficientes para construir o convento, com jardim e outras coisas essenciais; os frades devem, antes de tudo, determinar quanta terra será suficiente, sem nunca perder de vista a sagrada pobreza que prometemos observar e o bom exemplo que devemos dar ao nosso próximo em tudo.”
Pobreza e bom exemplo podem resumir os princípios para a gestão do patrimônio imobiliário, recomendados pelo santo de Assis aos frades. Cerca de três séculos depois, Santo Inácio de Loyola tratou do mesmo tema em relação às Constituições da Companhia de Jesus.
Em sua autobiografia somos informados de que, de todas as resoluções aprovadas, duas exigiam mais compromisso e oração. “As perguntas eram: se nossas igrejas poderiam ter renda e se a Companhia poderia ter se beneficiado disso.” Ou seja, Santo Inácio dedicou um discernimento particular à relação entre a nascente Companhia e os bens imóveis, ciente de que “a pobreza é o muro e a mãe da vida consagrada”, como nos lembra o Papa Francisco.
Hoje, a pobreza e o bom exemplo devem ser conciliados com o fenômeno da redundância de propriedades dos institutos de vida consagrada. O grande aumento nas vocações religiosas registrado entre 1900 e 1960 (na Itália, o número de freiras quase quadruplicou, de quarenta mil para 152 mil) correspondeu à expansão e construção de novos edifícios.
Hoje o número de religiosos na Itália está se aproximando rapidamente daquele do início do século XX e, se a diminuição permanecer constante, em 2046 isso levaria ao seu desaparecimento. Esta projeção, limitada e intuitiva, tem o único propósito de destacar a importância do fenômeno, que implica o difícil redimensionamento das propriedades imobiliárias, não raramente geridas mais com critérios de emergência, do que em observância aos planos carismáticos de cada instituto e aos critérios de pobreza e bom exemplo.
Comunidades de vida consagrada costumam ter uma “carteira imobiliária” superdimensionada em relação às suas próprias necessidades, mas não às das coletividades vizinhas que, agora, precisam do cuidado e do testemunho de salvação que foram as razões relevantes para a construção dos bens eclesiásticos.
Na Itália, entre 1985 e 2015, 7.292 casas religiosas foram fechadas, um número igual a 40 por cento delas. Quantos e quais outros ativos das comunidades de vida consagrada são afetados pelo fenômeno do fechamento dessas casas? O que acontece com esses bens? Como fazer para que o carisma que deu origem e vida a essas obras possa continuar a ser testemunhado no futuro?
Este é um fenômeno relevante que merece ser observado, gerenciado com critérios de pobreza e bom exemplo e, “pelo menos”, transcritos em um inventário. Estes são os temas da próxima conferência internacional “Carisma e criatividade. Catalogação, gestão e projetos inovadores para o patrimônio cultural de comunidades de vida consagrada” a se realizar nos dias 4 e 5 de maio de 2022 em Roma, na Pontifícia Universidade Antonianum, promovida pela Congregação dos institutos de vida consagrada e sociedades de vida apostólica e pelo Pontifício Conselho de cultura.
A Conferência
Entre as novidades está uma convocatória aberta a pesquisadores, comunidades de vida consagrada e seus consultores e colaboradores, fundações, associações e entidades que administram ativos culturais de entidades religiosas. (…)
A conferência romana tentará contar as experiências em andamento, e definir um primeiro censo das melhores práticas. Para não deixar de valorizar e reaproveitar o patrimônio das comunidades de vida consagrada, será oportuno esclarecer o objetivo último deste projeto. Em novembro de 2018, em saudação aos participantes da conferência dedicada ao reaproveitamento de edifícios de culto “Deus não mora mais aqui?”, o Papa Francisco recordou que “os bens culturais são voltados para as atividades caritativas desenvolvidas pela comunidade eclesial”, frase que deveria ser central para o pensamento da conferência.
O Pontífice continua: “Isto é destacado, por exemplo, na Paixão, do mártir romano Lorenzo, onde se diz que ele, tendo recebido a ordem de entregar os tesouros da Igreja, mostrou ao tirano, zombando dele, os pobres que havia alimentado e vestido com os bens dados em esmolas”. (…) Trata-se de um ensinamento eclesial constante que, embora inculque o dever de proteção e conservação dos bens da Igreja, e em particular dos bens culturais, declara que eles não têm valor absoluto e, em caso de necessidade, devem servir ao bem maior do ser humano e, sobretudo, ao serviço dos pobres ”.
[Continua]
Sobre a autora (Francesca Giani, Dra):
Arquiteta, com PhD em Engenharia; trabalhou com a Caritas Italiana, com a Fondazione Talenti e, agora, com a Fundação Summa Humanitate, na área de construções eclesiásticas e arquitetura social. Sua tese de Doutorado em: “Construções eclesiásticas: entre a melhoria social e a reutilização adaptativa: conventos italianos”, foi defendida em 2020, na Universidade La Sapienza, de Roma; ela tem um título conjunto em Ecologia Integral, pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Francesca é pesquisadora e professora na área de reutilização e aprimoramento carismático de propriedades eclesiásticas e escreve a respeito em publicações científicas e católicas.
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Fotos: Pixabay e Unsplash