(Por Dom Edson Oriolo)
As mudanças
Desde o início de seu pontificado o Papa Francisco vem apresentando intuições sobre a melhor maneira de organizar para “oxigenar” a ação evangelizadora da Igreja. Suas encíclicas, exortações, motu proprio, conferências, apresentam novas intuições sobre a organização eclesial. Sem muito atraso, o novo papa nos deu a exortação apostólica Evangelii Gaudium com ecos das proposições do Sínodo sobre a Nova Evangelização para a Transmissão da Fé Cristã.
Nessa exortação, apresenta quatro eixos que sintetizam a visão pastoral do papa: o tempo é superior ao espaço[1], a unidade prevalece sobre o conflito[2], a realidade é mais importante que a ideia[3] e o todo é superior à parte[4]. Na presente reflexão, pretendo analisar a máxima “o todo é superior à parte”: exímio paradigma para a história de nossas organizações eclesiais. Um autêntico upgrade para a compreensão da natureza, finalidade e missão da Igreja.
Aristóteles, pensador que antecedeu o ápice da revelação e viveu antes da Igreja de Cristo, é o autor dessa máxima. Afirmou que: “o todo é maior do que a simples soma das suas partes”. O Papa Francisco ao retomar a premissa quer chamar a atenção sobre a relação entre o global e o local, que gera tensão. Levando em conta a dimensão global, evita-se cair em uma mesquinha cotidianidade. Somos chamados a alargar nosso olhar para reconhecer um bem maior que trará benefícios a todos nós. Prestar atenção no global. “Não se deve viver demasiado obcecado por questões limitadas e particulares. É preciso alargar sempre o olhar para reconhecer um bem maior que trará benefícios a todos nós”[5].
Até pouco tempo, as mudanças aconteciam de maneira lenta e com um avanço cuidadoso, preparando o terreno para o que viria a seguir. Hoje, as mudanças são vertiginosas. Contudo, quando as pessoas e as coisas mudam, elas estão exigindo de nós transformações e não há dúvida de que com isso também ficamos melhores.
Nessa pressão para ser diferentes, somos levados a ver a floresta para ver as árvores. Isso significa que não se pode encaixar as pessoas dentro de padrões pré-estabelecidos como uma colmeia ou um formigueiro que se auto-organizam e em nada se transformam[6].
No entanto, durante muito tempo, fomos formados dentro de um pensamento cartesiano-mecanicista, isto é, pelas partes temos a compreensão do todo. O pai dessa metodologia organizacional foi o francês René Descartes. Um pensador que, embora prime pela objetividade da racionalidade, tendia a olhar a realidade pelo ângulo mais favorável. Foi nesse sentido que escreveu o “Discurso do Método”.
Nesta obra, ensinou uma metodologia para chegar à verdade. Com esses procedimentos, ele quer mostrar como podemos conhecer a verdade da realidade. Na segunda parte do “Discurso do Método”, Descartes apresenta argumentos que julgam necessários para discernir entre o verdadeiro e o falso. São quatro preceitos lógicos:
- Jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conheça evidentemente como tal, isto é, evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção[7];
- Dividir cada uma das dificuldades que eu examinar em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fosse para melhor resolvê-las[8];
- Conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como degraus, até o conhecimento dos mais compostos[9];
- Fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais que eu tenha a certeza de nada omitir[10].
Descartes ensinou preceitos metodológicos que ajudam na busca da verdadeira realidade. Podemos entender que conhecemos da realidade primeiramente as partes para depois ter a noção do todo. Na administração das organizações eclesiais, acredito que não seja a melhor maneira para entender todo esse mecanismo, mesmo sabendo que essas partes estão interligadas entre si na formação do todo.
Mudanças de Paradigma
Para dinamizar as organizações eclesiais, de maneira especial as cúrias diocesanas, paróquias e comunidades eclesiais missionárias, numa perspectiva da contemporaneidade, necessitamos de uma mudança de paradigma ou mentalidade. Essa transformação é o maior desafio na administração de nossas organizações no mundo contemporâneo.
Atualmente, as organizações eclesiais estão sendo pressionadas por uma burocracia ainda maior que séculos passados, mas a saída é a tecnologia de informação. Temos que ampliar nossa visão de organização. Uma reestruturação dentro das organizações eclesiais é sair do pensamento cartesiano mecanicista e partir para um pensamento diferente. Assim, podemos modificar, adaptar, mudar e melhorar as nossas organizações eclesiais.
Leonard Mlodinow, em seu best-seller “Elástico”, fala do pensamento diferente, isto é, elástico. Para ele, os seres humanos têm dois modos de pensar: a) o pensamento analítico, no qual seguem as regras da lógica para analisar problemas pelos quais já havíamos passado e o b) pensamento elástico, em que se formulam ideias e paradigmas para enfrentar novos desafios.
Esse último é cada vez mais útil no ambiente de hoje, que está em rápida transformação. Embora as pessoas sejam diferentes em suas aptidões para o pensamento elástico, essa capacidade pode ser nutrida e aperfeiçoada[11].
Assim sendo, pessoas e companhias, principalmente organizações, que não são capazes de se adaptar ou aplicar pensamentos, metodologias diferentes e inovadoras, morrem. Um excelente pensamento para nossas organizações eclesiais, atualmente, significa pensar de maneira sistêmica. Necessitamos dar passos e mais passos.
[1] Papa Francisco. Evangelii Gaudium. p. 222-225
[2] Idem, 226-230
[3] Idem, 231-233
[4] Idem, 234-237
[5] Idem, 235
[6] Oriolo, Edson. Gestão paroquial para uma Igreja em saída. p. 109
[7] DESCARTES, Renê. Discurso do Método. p. 23
[8] Idem
[9] Idem
[10] Idem
[11] MLODINOW, Leonard. Elástico. p. 9-19
[Continua]
Sobre o autor (Dom Edson Oriolo):
Bispo da Igreja Particular de Leopoldina MG, Mestre em Filosofia Social PUC-Campinas, Especialista em Marketing pela Universidade Gama Filho pela qual tenho Pós graduação em Gestão de Pessoas e Leader and professional Coach pela Act coaching Internacional. Autor de centenas de artigos e ensaios para diversas revistas e periódicos sobre gestão eclesial, pós-humano, paróquias, pastoral urbana e pastoral do dízimo.
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Fotos: Pixabay