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Fratelli Tutti – A carta do Papa Francisco para todos

10 minutos para ler

(Por Adilson Souza, MSc)

A encíclica Fratelli Tutti

Na Fratelli Tutti, o Papa Francisco se diz inspirado por São Francisco, o mesmo que o inspirou à Laudato Si. E na atual, Fratelli Tutti, ele vem falar de fraternidade (irmandade) e amizade social (todos como amigos, desde as periferias até o centro das grandes decisões e questões existenciais).

A fraternidade tem a ver com abertura a todos, uma dimensão universal. Assim, sendo tão ampla, supõe um contato profundo, uma amizade que envolve toda a sociedade. O Papa deixa claro que a inspiração de São Francisco o leva a escrever, porém, com suas convicções pessoais, mas desejando que a reflexão leve à abertura de diálogo com todos.

A encíclica estava sendo elaborada quando do surgimento da pandemia do coronavírus. O Papa aproveita para chamar a atenção do mundo para as falsas (ou supostas) seguranças, dada à incapacidade de agir em conjunto dos diversos países (e mesmo dentro das nações, como vimos no Brasil).

Falando de fraternidade, o Papa destaca a importância de caminharmos juntos, pois, segundo ele, ninguém pode enfrentar a vida isoladamente, é junto que construímos os sonhos.

A encíclica é dividida (e somada) em 8 capítulos, sobre os quais discorreremos a seguir.

Os capítulos

Inicia-se pelas “sombras dum mundo fechado”, mostrando algumas realidades e tendências do mundo atual que dificultam o desenvolvimento da fraternidade universal. Aqui cabe chamar a atenção para as sombras.

Essas não são reais, não existem, dependendo sempre de algo para impedir uma claridade, luz, para só então se ‘materializar’. Portanto, essas sombras estarão mudando de lugar e forma, a depender da extensão e força da luz e dos obstáculos que aquelas interpõem.

Capítulo I

‘Ele’ (o Papa) explana, no decorrer do capítulo I, sobre diversas sombras. Dentre essas, as guerras e seus fracassos, dado que os conflitos de guerra NUNCA contribuem, só destroem, tanto as pessoas, quanto os países e o meio ambiente como um todo.

Como sombras, temos no texto os poderes econômicos que, ao invés de somar, dividem. Temos uma sociedade cada vez mais globalizada que nos tornou vizinhos, mas não nos tornou irmãos.

Na política e no marketing utilizado na mesma sociedade, ‘ele’ fala da mesquinhez no jogo de desqualificações do outro – amplamente constatado nas eleições americanas e no pleito eleitoral no nosso país – deixando de lado o espírito do bem comum e focando nos interesses de uma minoria.

Também como sombras, o esgotamento de recursos e a ausência de cuidado sob o prisma dos interesses de grandes grupos econômicos, o que pode desembocar nas disputas e novas guerras, muitas vezes disfarçadas como ‘nobres reivindicações’ (“a Amazônia é nossa”).

As pessoas, neste mundo sombrio, não são vistas como valor primário a respeitar, de maneira especial os menos favorecidos (pobres, deficientes, idosos, indígenas, migrantes, mulheres, etc.). Nesta toada, constata-se que os direitos humanos não são iguais para todos, como há muito não se vê.

A carta circular Rerum Novarum do Papa Leão XIII há quase 130 anos, a declaração dos direitos humanos há mais de 70, os encontros de Medellín, Puebla, Rio, Santo Domingos e Aparecida, que colocaram o pobre no centro, não têm efeitos práticos e isso também é sombra.

Sombra também é a economia, que privilegia uns poucos em detrimento da maioria, mesmo com inúmeros acordos estabelecidos, inclusive nas questões ambientais, onde a primazia do ter supera a lógica do ser e da fraternidade.

Além de tudo, temos as perseguições por crenças religiosas, por ideologia, por motivos raciais, de classe e tantos outros que assolam as minorias, estas, historicamente desprotegidas.

A esperada e sonhada estabilidade e a paz vêm sustentadas por uma falsa segurança, baseada num cenário de medo e desconfiança. Nesse vácuo, que deixa as pessoas órfãs do sistema justo e formal (estado), nitidamente pela ausência de políticas públicas efetivas, surgem espaços para as máfias, milícias, quadrilhas que ‘ocupam’ o lugar das instituições de direito que deveriam acolher e atender os legítimos anseios daqueles que sofrem. Se assim não o fazem, alguém toma este lugar e a desordem e fragilidades vão sendo perpetuadas.

O Papa é claro e realista ao mencionar as inovações e progressos tecnológicos, mas estes, sem equidade e inclusão social. E afirma, “como seria bom se, enquanto descobrimos novos planetas longínquos, também descobríssemos as necessidades do irmão e da irmã que orbitam ao nosso redor.” (31)

Foto: Criança e enfermeira em Hospital.

A liberdade de mercado, como alguns pretendiam fazer-nos crer que seria suficiente para tudo garantir, se desnuda, e a redução de “custos humanos” avança, fazendo (ou devendo fazer) ressoar o apelo a repensar os nossos estilos de vida, as nossas relações, a organização das nossas sociedades e, sobretudo, o sentido de nossa existência. (33)

Ainda quanto à COVID, ‘ele’ exclama, “oxalá não seja mais um grave episódio da história, cuja lição não fomos capazes de aprender. Oxalá não nos esqueçamos dos idosos que morreram por falta de respiradores, em parte como resultado de sistemas de saúde que foram sendo desmantelados ano após ano” (35). ‘Ele’ foca, literalmente, na ferida mundial exposta na pandemia.

Quanto aos fenômenos migratórios, ‘ele’ dispensa partes específicas para tão grave situação e num excerto da encíclica cita que “muitos fogem da guerra, de perseguições, de catástrofes naturais. Outros, com pleno direito andam à procura de oportunidades para si e para sua família. Sonham com um futuro melhor e desejam criar condições para que se realize” (37).

E o que seriam os intercâmbios, onde jovens de famílias privilegiadas são enviados para estudar, aperfeiçoar o idioma globalizante, senão oportunidades de melhoria de vida apoiadas e sustentadas por aqueles que ostentam condições dessa possível mobilidade transnacional?

A comunicação, tão importante e necessária nos coloca em risco quando o seu uso não é adequado. Pode, assim, causar dependência, isolamento e perda de contato com a realidade concreta, o que pode gerar dificuldades de relações interpessoais verdadeiras.

A conexão digital deve ser vista como aliada aos processos organizacionais e de comunicação pessoal, mas não basta para lançar pontes, não sendo capaz de unir a humanidade por si só. As redes nos levam à perda de escuta ao outro obstruindo, com isso, muitas vezes, o diálogo concreto.

E o Papa fecha o primeiro capítulo nos animando, dizendo que a esperança é ousada, que possamos nos abrir aos grandes ideais que tornam a vida mais bela e digna e finaliza: “caminhemos na esperança” (55).

Capítulo II

No capítulo II, ‘ele’ nos brinda com o título “Um estranho no caminho” e simboliza o conteúdo com a parábola do bom Samaritano. Nos faz perceber que, dadas as sombras e tantas questões sociais ‘vultosas’, vamos precisar da espiritualidade, que moveu São Francisco, para ver, sentir compaixão e cuidar das situações de sofrimento do nosso dia a dia.

A parábola nos apresenta alguns personagens bem sugestivos e intrigantes. O ferido é alguém que foi atacado e deixado semimorto ao largo da estrada. Mas quem é o ferido? Seu nome, sua religião, sua casa? Não importa, o que cabe aqui é identificá-lo como o nosso próximo, não sendo relevante saber de onde e quanto vale. Seu valor é pelo fato de ser o outro, para quem devemos pautar nosso olhar de compaixão e nos aproximar.

Os salteadores, também não sabemos quem são. Pode ser qualquer um ou qualquer instituição que agride, que explora, usurpa, humilha, que mata, que destrói muitos corações, histórias e reputações. É o explorador que devemos identificar e combater, tal o poder e a força de sua sombra sobre a luz do outro ou do mais fraco na maioria das vezes.

Aqueles que passam pelo caminho e não se detêm (o levita e o sacerdote) são pessoas que ostentam títulos, têm classe, que conhecem e talvez sigam as leis, mas não têm o elã prático em fazer com que a lei saia do papel e se torne letra viva e promova a dignidade e a vida.

O levita e o sacerdote representam todos nós, quando não somos tocados e movidos à ação pelas calamidades e atos praticados pelos outros e que desencadeiam situações de sofrimento ao nosso próximo. Esse desprezo pelo outro nos mostra que crer em Deus e o adorar não bastam e não é garantia de viver como agrada a Deus (74).

E o Samaritano é aquele que, independentemente da situação do outro, seja este  amigo ou inimigo (como se comportavam os judeus e os samaritanos), cidadão local ou migrante, crente ou agnóstico, conhecido ou não, deve acolher, cuidar, pelo simples fato de ser, o ferido, o seu próximo naquele momento e naquele lugar.

Foto: Mãos doação.

O Samaritano não se pautou por leis ou quaisquer amarras. Não sabemos o que ele fez, fazia ou faria, mas importa que ele deixou tudo, parou, compadeceu-se e cuidou daquele homem, e o Papa, a partir desse contexto nos provoca, “com quem te identificas? A qual deles te assemelha?” (64).

A grande ou uma das lições é, “diante de tanta dor à vista de tantas feridas (num mundo permeado de sombras), a única via de saída, o singular jeito de agir, é ser como o bom Samaritano.” Do contrário, ao acostumarmos com situações semelhantes e passarmos ao largo como o levita e o sacerdote, estaremos mergulhados no pecado da indiferença. Na sequência, o Papa nos propõe um recomeço.

Segundo ele, “a cada dia nos é oferecida uma nova oportunidade, uma etapa nova. Não devemos esperar tudo daqueles que nos governam, seria infantil. Gozamos dum espaço de corresponsabilidade capaz de iniciar e gerar novos processos e transformações“(77). As possibilidades são diversas, sejam nos conselhos municipais onde se desenvolvem a se articulam as políticas públicas dos municípios, ou como voluntários nas entidades sem fins lucrativos (ILPIs, hospitais, presídios, creches, etc.).

A encíclica nos mostra, também, que não devemos fazer sozinhos. O texto é imperativo (78). O Samaritano procurou um estalajadeiro. Procuremos as instituições, as autoridades, governantes e outros para unirmos nossas forças e transformar a realidade, mesmo que seja a partir de uma única pessoa.

E o capítulo se encerra expondo a tristeza papal pela Igreja ter demorado tanto a condenar energicamente a escravatura e várias formas de violência. Mas nos alerta e nos incita a não termos desculpas hoje, dizendo que “a fé, com o humanismo que inspira, deve manter vivo um sentido crítico perante estas tendências e ajudar a reagir rapidamente quando começam a insinuar-se situações que denotam desprezo, xenofobia, nacionalismo fechado e até maus tratos àqueles que são diferentes” (86).

[Continua]



Sobre o autor (Adilson Souza, MSc):

Matemático, Mestre em Engenharia Metalúrgica e Especialista em Gestão Estratégica. Superintendente do Axis Instituto e Consultor Organizacional Sênior. Professor de Graduação e Especialização: UIT/Itaúna, Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA) e Faculdade Vicentina de Curitiba (FAVI). Cursando Teologia e aluno da Escola Diaconal da Diocese de Divinópolis/MG.


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Fotos: Pixabay

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