Gestão de Pessoas e Misericórdia
(Por Dr. Sebastião Castro)
Dinâmica institucional
As Instituições não se movem de forma automática como máquinas que, hoje, se pode programar utilizando temporizadores. O movimento e a dinâmica institucional só se tornam possíveis através de pessoas, seja trabalhando horizontalmente, sem hierarquia fixada, seja nos diversos níveis hierárquicos que a podem compor.
Grupos de pessoas laborando juntas sempre estão sujeitos a conflitos, querelas, desentendimentos, rancores, invejas. As lideranças precisam ter um bom olhar para tais questões, conhecimentos técnicos sobre gestão de pessoas, além de competências emocionais e espirituais para lidar com a dinâmica dos relacionamentos no grupo. Em situações de atrito, uma das dimensões cruciais para a gestão de pessoas é o exercício da misericórdia.
Para efeitos deste artigo, misericórdia é entendida como a capacidade de perdoar e de demonstrar solidariedade, compaixão, clemência e piedade. Partindo de sua etimologia (miserere + cordis), portanto, um coração piedoso. Ser misericordioso e demonstrar misericórdia diz respeito, desse modo, a perdoar e compreender, a partir dos ensinamentos de Jesus, o outro, aquele que está próximo de mim.
As dimensões humanas da misericórdia
Perdoar não é algo que a liderança possa fazer simplesmente para atender às políticas ou normas institucionais. Perdoar significa, primeiro, realizar um trabalho sobre si; um trabalho de conhecimento das profundezas da alma, das emoções e dos afetos, presentes em todos os membros da equipe e, evidentemente, também no líder.
Trabalhar sobre si significa, também, não apenas ter ou desenvolver conhecimento a respeito dessas dimensões internas, mas, mais importante, buscar resolver os eventuais conflitos internos aí existentes. Resolver tais conflitos ou dificuldades internas demanda elaborá-las, de modo sadio e reto, desatando “nós”, conceitos errôneos e equivocados formados em fases primeiras do desenvolvimento psicológico, encontrando, hoje, uma linha madura e equilibrada de sentimentos e pensamentos.
Envolve, muitas vezes, solucionar questões antigas relacionadas à autoestima, à formação dos primórdios da personalidade. Elucidar, na consciência emocional[1], e não apenas na consciência intelectual, tais imbróglios, é que possibilitará, ao líder e a cada um da equipe, lidar de forma madura consigo e com o outro, deixando que emerjam e que se construam as atitudes humanitárias, dentre as quais a misericórdia.
Para se praticar a piedade que vem do coração, desapegando-se do amor próprio egoísta e da baixa autoestima, o líder precisa, assim, de um grande trabalho sobre si mesmo. Esse crescimento interior traduzido, então, em comportamentos diários com a equipe, poderá ser o principal componente de ensino para todos os membros do time de trabalho.
Os liderados observarão o líder e verão nele uma luz, uma sinalização para também serem misericordiosos, num efeito de círculos concêntricos, em que um estímulo inicial vai se propagando e propiciando aprendizagens. Será preciso, ainda, que o líder assuma uma atitude ativa no sentido de observar os comportamentos dos diversos membros do grupo, buscando levá-los à prática da misericórdia, em exercícios diários de observação, orientação, prática e reflexão.
A prática da Misericórdia
A prática da misericórdia implica, também, para o líder e sua equipe, a construção de conceitos de partilha, de solidariedade, de fraternidade e de companheirismo, afastando-se da busca insana de interesses próprios e materiais a qualquer custo, tendo como fim último a acumulação de bens terrenos e o hedonismo.
Significa, portanto, uma busca pessoal e interior na direção de cada um se tornar uma pessoa mais genuína, mais simples, mais despojada, mais liberada dos atrelamentos materiais e mais aberta à vivência daqueles valores que realmente importam na construção de uma vida digna e integral.
Conservar ou alimentar, no grupo de pessoas com quem se trabalha, sentimentos de rancor, de inveja, de vingança, de injustiças e de falta de respeito concorre para a destruição do grupo e das pessoas. Haverá uma deterioração da qualidade das relações, nas dimensões emocionais e espirituais, tornando o ambiente de trabalho inóspito e árido, com efeitos deletérios sobre a saúde e sobre a produtividade do grupo. Assim é que a prática do respeito e da misericórdia se torna de fundamental importância para o equilíbrio da equipe, para o bem estar de cada um e de todos, com resultados profissionais também muito mais consistentes.
No cotidiano agitado das instituições, tendendo sempre a um ativismo cegante, a liderança precisa manter a sua cabeça acima da linha d´água, para que consiga visualizar as necessidades das pessoas ao seu redor, seus anseios, suas dificuldades e limitações. Somente a partir dessa percepção aguda e precisa, e de sua própria e genuína vontade de contribuir para o crescimento da equipe, poderá ajudar cada um a praticar a misericórdia. Essa prática, como nos lembra o Papa Francisco, “pode contribuir realmente para a edificação de um mundo mais humano”.[2]
[1] Chamo de “consciência emocional” o dar-se conta, de forma integral, afetiva e emocional, do estado psíquico interior, para além da dimensão intelectiva.
[2] CATEQUESE – Praça São Pedro – Vaticano – Quarta-feira, 9 de dezembro de 2015
(Artigo publicado na Revista Voz da Igreja, do
Instituto Jesus Maria José)
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