(POR MÁRCIO DE SOUZA MOREIRA)

O pagamento das despesas de subsistência para os membros do clero, religioso ou religiosa, pelas entidades eclesiásticas, enquadradas desta forma nos termos do Acordo da Santa Sé[1], é um direito canônico[2] e não possui, na legislação nacional, caráter remuneratório. Considera-se que o “vínculo entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante votos e as Dioceses ou Institutos Religiosos e equiparados é de caráter religioso e, portanto, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira, não gera, por si mesmo, vínculo empregatício, a não ser que seja provado o desvirtuamento da instituição eclesiástica”[3].

Dentre o grupo de possíveis beneficiários estão, além daqueles que compõem o clero nas Paróquias, Dioceses e ou Arquidioceses, os membros de Instituto de Vida Consagrada, de Congregação, Ordem Religiosa e demais entidades eclesiásticas em face do seu mister religioso ou para sua subsistência, independentemente se homem ou mulher.

Por não representarem também, nos termos da lei, uma relação trabalhista e ou de prestação de serviços, tais valores não geram base de cálculo para pagamento da contribuição previdenciária, ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, seja por parte da entidade (Igreja) ou do beneficiário (membros do clero, religiosos e ou religiosas). No entanto, tais valores, perante a legislação tributária, geram base de cálculo para fins de recolhimento do Imposto de Renda (desde que ultrapassem o valor total e mensal por beneficiário de R$ 1.903,98).

Clarifica-se como exemplo de despesa de subsistência, além da alimentação, os gastos com vestuário, habitação, transporte, assistência médica, odontológica e formação, sendo esta no Brasil ou no exterior, inclusive não caracterizando esta última, como desvirtuamento das atividades. Tais dispêndios podem ser repassados de forma e montante diferenciados, em dinheiro ou a título de ajuda de custo[4], mas aconselha-se que, preferencialmente, seja feito por meio de transferência bancária para o próprio beneficiário.

 Alguns aspectos importantes sobre as côngruas

O disposto, quanto à não incidência da quota previdenciária patronal, não se aplica a recursos repassados a cantores, músicos da Igreja, pregadores da Palavra, palestrantes, pois, esses, se enquadram como prestadores de serviços autônomos e, em alguns casos, até como funcionários. Tal vedação (repasse de côngrua a prestadores de serviços e ou voluntários leigos), além de prevista na legislação previdenciária, encontra-se disposta e expressa no próprio Código de Direito Canônico[5].

No caso de estes valores (destinados para subsistência) serem pertinentes à atividade desenvolvida por religiosos ou religiososas ligados a institutos, sugere-se avaliar a possibilidade de celebração de um instrumento e ou contrato específico, entre as personalidades jurídicas. Cita-se, por exemplo, a côngrua mensal de uma paróquia para um clérico e religioso de vida consagrada (membro, por exemplo, de um Instiituo Pontifício). Neste caso, considerando os sagrados votos evangélicos de obediência e pobreza, a partir do qual os recursos recebidos devem ser direcionados à coletividade do instituto, ou seja, à vida comunitária, não se justifica repassá-lo ao religioso (ou religiosa) para que depois estes repassem aos seus Institutos. Evita-se, desta forma, o envolvimento da pessoa física do religioso que, ao receber recursos superiores aos limites de isenção da tabela progressiva mensal de Imposto de Renda, assume obrigações acessórias, tal como a declaração anual de imposto de renda da pessoa física.

Atenção aos detalhes para a prestação de contas

A forma de repasse da côngrua aos beneficiários (pessoas físicas, quais sejam membros do clero, religioso ou religiosa), pode-se dar via emissão de recibo simples, onde constarão os dados da fonte pagadora (entidade eclesiástica), do contribuinte (ex.: CPF do Padre, Bispo, Diácono Permanente, Religioso ou Religiosa), os valores de repasse e a retenção do imposto de renda, caso pertinente. Este recibo será o instrumento válido a ser enviado à contabilidade para a devida prestação de contas institucional dessas saídas de recursos, ou seja, não cabe, por exemplo, à religiosa (religioso ou membro do clero) a prestação de contas à entidade dos gastos detalhados destes recursos.

O referido recibo é documento hábil[6], tanto para a legislação tributária, quanto para a escrituração contábil. De forma prática e desburocratizada, ao fazer o uso dos valores recebidos, o religioso não precisa prestar conta dos recursos com notas fiscais, cupons e afins, tendo em vista que o fez ao assinar o recibo da Côngrua. Sendo assim, o recurso é utilizado pelo benefeciário, a seu critério pessoal, seja para lazer, alimentação, higiene pessoal e ou mesmo doação a terceiros.

Registra-se, ainda, que o recebimento destes recursos (côngrua, espórtula e ou similar) não dispensa o religioso de efetuar o seu recolhimento pessoal (e não a entidade eclesiástica) da contribuição individual para a previdência social, que se destina à aposentadoria do contribuinte e ou demais benefícios sociais por afastamento de suas atividades. Caso a instituição eclesiástica opte por fazer o recolhimento, por seus membros, tais recursos devem ser somados aos valores financerios repassados ao beneficiário como sustento pessoal (membro do clero, religioso ou religiosa).

A pessoa física dos membros da entidade eclesiástica é considerada, por lei[7], beneficiária do Regime Geral de Previdência Social na condição de “contribuinte individual”, pois estes são equiparados, no tocante, especificamente, à previdência social urbana, aos trabalhadores autônomos[8].

Deve-se ter clareza que, de forma geral, os benefícios pessoais recebidos em dinheiro, ou por meio de custeio de plano de saúde ou da contribuição previdenciária individual, se somam à referida base de cálculo do imposto de renda[9].

Em resumo

A imunidade do Imposto de Renda das Paróquias, Institutos de Vida Consagrada e demais entidades eclesiásticas é pertinente apenas à pessoa jurídica[10]. Neste caso os seus membros, enquanto pessoas físicas são cidadãos contribuintes tributários do imposto de renda, caso o valor recebido supere o mínimo de isenção previsto na tabela progressiva mensal[11] do referido tributo. Dessa forma, deverão ser somados os valores recebidos mensalmente para subsistência (ex.: côngrua, espórtula, etc) a eventuais remunerações advindas da prestação de serviços como funcionário (ex.: professor) e ou prestador de serviços autônomos (ex.: palestrante) para fins de cálculo do imposto de renda e da prestação de contas ao fisco[12].

 

Márcio de Souza Moreira é Diretor do Axis Instituto, Mestre em Finanças, Contador e Especialista em Direito Tributário.

[1] Decreto 7.107 de 11 de fevereiro de 2010 que Promulgou o Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, firmado na Cidade do Vaticano, em 13 de novembro de 2008.

[2]   Cânone 281.

[3]   Artigo 16 do Decreto 7.107 de 10 de fevereiro de 2010.

[4]   Lei 13.137 de 19 de junho de 2015 que incluiu o § 14 do Inciso “III” do art. 22 da Lei 8.212 de 24 de julho de 1.991.

[5]  Cânone 230.

[6]   Art. 283 do Decreto 3.000 de 26 de março de 1999.

[7]   Letra “c”, Inciso V, Artigo 9, do Decreto 3.048/99 com a redação dada pelo Dec. 4.079/02 e Inciso VIII, Artigo 9, da Instrução Normativa 971 de 13 de novembro de 2009.

[8]   Lei n.º 6696 de 08 de outubro de 1979.

[9]    DOU de 06/02/2013 (nº 26, Seção 1, pág. 57).

[10]    Art. 167 do Decreto 3.000 de 26 de março de 1999.

[11]   Lei 13.149 de 21 de julho de 2015.

[12]   Artigos: 43; 624; 633; 637 e 717 do Decreto 3.000 de 26 de março de 1999.

 

PUBLICADO: Revista Paróquias (Novembro/dezembro 2017)

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