{"id":32238,"date":"2022-07-22T08:02:00","date_gmt":"2022-07-22T11:02:00","guid":{"rendered":"https:\/\/www.axisinstituto.com.br\/blog\/?p=32238"},"modified":"2022-07-28T12:42:31","modified_gmt":"2022-07-28T15:42:31","slug":"economia-e-desvitalizacao","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.axisinstituto.com.br\/blog\/economia-e-desvitalizacao\/","title":{"rendered":"Economia e desvitaliza\u00e7\u00e3o"},"content":{"rendered":"\n
(Por Sebasti\u00e3o V. Castro, Dr)<\/p>\n\n\n\n
Em artigo anterior (Vertentes, no<\/sup> 2, 2019<\/a>) abordando a cautela que se deve ter com o uso das m\u00e9tricas<\/a>, tratei do processo pelo qual a Economia<\/strong>, no mundo ocidental e, qui\u00e7\u00e1, hoje em dia, em todo o mundo, perpassa todo o tecido social e, sutilmente, se imiscui em nossos pensamentos, a\u00ed se colocando como paradigma.<\/p>\n\n\n\n Por esse mecanismo \u00e9 que os n\u00fameros foram, pouco a pouco, se posicionando \u00e0 frente dos afetos, das emo\u00e7\u00f5es<\/a>, das rela\u00e7\u00f5es humanas, do civismo, dos comportamentos altru\u00edstas, dos valores, da \u00e9tica<\/a>. Sem nos apercebermos, o \u201cpensamento monetizado\u201d<\/strong> foi tomando conta do pensamento geral, estabelecendo-se, profunda e arraigadamente, no nosso \u201ctronco encef\u00e1lico\u201d, em nossas mentes.<\/p>\n\n\n\n Por esse processo, do qual as m\u00e9tricas s\u00e3o apenas a \u201cponta do iceberg<\/em>\u201d, o pensamento vai se transmutando em pensamento de base financeira e, de forma quase inconsciente, a tudo atribuindo um valor monet\u00e1rio, um custo, um pre\u00e7o, um lucro, uma \u201cperda\u201d, um ganho. Como se uma m\u00e1quina calculadora invis\u00edvel se apoderasse de cada um de n\u00f3s, cada situa\u00e7\u00e3o \u00e9 rapidamente \u201ccalculada\u201d em termos do seu retorno financeiro.<\/p>\n\n\n\n Assim, vai ocorrendo a \u201cfinanceiriza\u00e7\u00e3o\u201d das rela\u00e7\u00f5es de \u201camizade\u201d<\/strong>, dos cuidados \u2013 com o aluno, com o idoso, com o enfermo, com os pais, com os filhos -, dos casamentos, e de tantos outros compromissos humanos. Essa financeiriza\u00e7\u00e3o esgar\u00e7a os relacionamentos, os desidrata e os desvitaliza.<\/p>\n\n\n\n Ao longo deste ano de 2020 um dos grandes embates, mundo afora, foi o do lockdown<\/em> das cidades (e de suas atividades comerciais e industriais), devido \u00e0 pandemia do coronav\u00edrus, versus<\/em> os impactos econ\u00f4micos sobre as popula\u00e7\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n Em que pesem as incertezas quanto \u00e0 letalidade do v\u00edrus e suas consequ\u00eancias sobre pessoas diferentes, o pensamento de fundo econ\u00f4mico se sobrep\u00f4s ao cuidado com a vida e sua preserva\u00e7\u00e3o<\/strong>, em diversos pa\u00edses. O que se ouviu, de forma muito presente, foi a relativiza\u00e7\u00e3o da vida. Houve mesmo quem dissesse: \u201cMuitos v\u00e3o morrer mas, e da\u00ed?\u201d. Esse tipo de discurso, neste caso ligado \u00e0 pandemia, n\u00e3o \u00e9 isolado, no entanto. Ele faz parte de algo maior, de um mecanismo muito mais profundo, qual seja, o do c\u00e1lculo econ\u00f4mico do valor da vida.<\/p>\n\n\n\n Nas trag\u00e9dias de Mariana e Brumadinho, para citar as mais recentes, em que centenas de pessoas foram soterradas e mortas pela lama de barragens de rejeito, o que se ouviu, por sobre os cad\u00e1veres, foi a pergunta: quanto vale, em dinheiro, uma vida humana? E o pior, essa pergunta \u00e9 ouvida por todos, praticamente em sil\u00eancio, quase sem rejei\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n As \u201cindeniza\u00e7\u00f5es\u201d s\u00e3o discutidas, negociadas, acertadas. Os eventos de morte s\u00e3o, aos poucos, minimizados, pagos, suavizados (por monumentos, \u00e0s vezes, obras de arte!). As responsabilidades s\u00e3o dilu\u00eddas entre gestores, acionistas, fundos… As responsabilidades v\u00e3o se tornando an\u00f4nimas. Ao fim e ao cabo, apenas as fam\u00edlias, cujos entes queridos se foram, ficam com a dor da perda, ressoando por toda a vida de quem fica!<\/p>\n\n\n\n A moeda, o dinheiro, foi criado para mediar transa\u00e7\u00f5es comerciais, rela\u00e7\u00f5es de troca. No in\u00edcio, se falava em troca de moedas por mercadorias, produtos, artigos. Bens inanimados. Mas depois, animais tamb\u00e9m come\u00e7aram a ser \u201ctrocados\u201d por dinheiro: porcos, galinhas, javalis, coelhos, cavalos, burros de carga, bois…<\/p>\n\n\n\n O homem, de criatura, arvorou-se em \u201csenhor da cria\u00e7\u00e3o\u201d e passou a dispor, sem cerim\u00f4nia, dessas \u201cvidas inferiores\u201d, das vidas dos animais e tamb\u00e9m dos vegetais, desde os alimentos at\u00e9 as grandes \u00e1rvores, derrubadas e transformadas em madeira; tudo foi sendo lentamente transformado em mercadoria.<\/p>\n\n\n\n Como as sociedades tamb\u00e9m se estruturaram em estratos, com homens \u201cnobres\u201d no v\u00e9rtice da pir\u00e2mide e homens \u201ccomuns\u201d em sua base, esses \u00faltimos tamb\u00e9m passaram a ser vistos como mercadorias (de forma mais expl\u00edcita, em todos os sistemas escravocratas do mundo). Como mercadoria, o valor dinheiro faz a equival\u00eancia!<\/p>\n\n\n\n Se antes haviam \u201ctravas\u201d morais e \u00e9ticas que \u201cprotegiam\u201d os homens (mas n\u00e3o os animais ou as \u00e1rvores, vidas \u201cinferiores\u201d), paulatinamente tais travas foram sendo removidas, esmaecidas.<\/p>\n\n\n\n Desde o soldado raso, j\u00e1 na antiguidade mandado \u00e0 guerra para morrer, como \u201cbucha de canh\u00e3o\u201d, na ilus\u00e3o de estar defendendo o \u201cseu pa\u00eds\u201d (e n\u00e3o os interesses da classe dominante desse pa\u00eds), at\u00e9 hoje em dia, as \u201cvidas inferiores\u201d dos civis mais pobres, a l\u00f3gica tem sido a mesma: um valor monet\u00e1rio paga a vida!<\/p>\n\n\n\n Nesse sentido, h\u00e1 uma verdadeira \u201cpreda\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica\u201d<\/strong>! As classes mais no topo da pir\u00e2mide literalmente \u201cdevoram\u201d quem est\u00e1 na base, notadamente as classes populares. Ao longo dessa preda\u00e7\u00e3o, vidas v\u00e3o sendo despeda\u00e7adas, seja literalmente (devido \u00e0s m\u00e1s condi\u00e7\u00f5es de sa\u00fade, altas taxas de viol\u00eancia, falta de saneamento, etc), seja simbolicamente, na n\u00e3o-oferta de oportunidades de ascens\u00e3o, de educa\u00e7\u00e3o, para essa classe empobrecida, num processo perverso de genoc\u00eddio social.<\/p>\n\n\n\n Os mais pobres, os aleijados, os mendigos, num processo inexor\u00e1vel de aporofobia[1]<\/a>, v\u00e3o sendo expulsos do sistema via mortes \u201cplanejadas\u201d por abandono, indiferen\u00e7a, doen\u00e7as evit\u00e1veis, fome, etc.<\/p>\n\n\n\n Esse processo se auto-alimenta, na medida em que as condi\u00e7\u00f5es estruturais n\u00e3o permitem que os mais pobres saiam do c\u00edrculo vicioso da pobreza. Tais condi\u00e7\u00f5es s\u00e3o, ao longo dos s\u00e9culos, assim mantidas pelas classes privilegiadas, que dependem da for\u00e7a de trabalho da leva de empobrecidos para desempenharem as fun\u00e7\u00f5es operacionais que mant\u00eam em funcionamento as ricas estruturas de suporte aos privilegiados. N\u00e3o deixa de ser, num olhar hist\u00f3rico, a manuten\u00e7\u00e3o da situa\u00e7\u00e3o de escravid\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n Todo o processo de preda\u00e7\u00e3o \u00e9, evidentemente, naturalizado, como se fosse parte intr\u00ednseca da sociedade humana, n\u00e3o se vendo, nele, nada de excepcional, nada de amoral, nada de pecaminoso. \u201cAs coisas s\u00e3o assim e assim devem continuar.\u201d H\u00e1 uma \u201ccoisifica\u00e7\u00e3o\u201d, uma \u201cobjetifica\u00e7\u00e3o\u201d<\/strong> do trabalhador da base da pir\u00e2mide que \u00e9 feita parecer, a todos, natural. Em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s mortes, criou-se uma indiferen\u00e7a! <\/p>\n\n\n\n No capitalismo exacerbado <\/strong>e imoral elevado, ao longo do \u00faltimo s\u00e9culo, ao posto de pensamento dominante, essa transi\u00e7\u00e3o do conceito de vida humana \u00e0 categoria de coisa, de mercadoria vem sendo sutilmente tecida e refor\u00e7ada.<\/p>\n\n\n\n Para potencializar esse conceito, um ataque silencioso e eficiente aos valores humanos e \u00e0 \u00e9tica<\/strong> tem sido igualmente realizado por diversos instrumentos e aparelhos ideol\u00f3gicos, culturais e sociais: a m\u00eddia, a ind\u00fastria do cinema e da tev\u00ea, a internet, a m\u00e1 pol\u00edtica, a economia e o mercado, etc.<\/p>\n\n\n\n Assim \u00e9 que se tem uma constru\u00e7\u00e3o \u201ca muitas m\u00e3os\u201d, com boa parte dos ve\u00edculos de comunica\u00e7\u00e3o e dos produtores de conte\u00fado sendo instrumentalizados e capturados pela economia de mercado para erodir o conceito de Vida como valor absoluto<\/strong>.<\/p>\n\n\n\n Como o \u00faltimo basti\u00e3o, num sistema perverso que visa \u00e0 desigualdade entre os homens em geral em benef\u00edcio de uns poucos, a Vida precisou ser relativizada e transformada em valor dinheiro porque assim pode ser comprada, negociada, trocada, paga.<\/p>\n\n\n\n Essa relativiza\u00e7\u00e3o \u00e9 que est\u00e1 na base do embate acima citado entre lockdown<\/em> ou vidas, nas grandes trag\u00e9dias ambientais, nas externalidades ambientais[2]<\/a> (para assim n\u00e3o serem percebidas) constantes e sistem\u00e1ticas e numa mir\u00edade de outros casos.<\/p>\n\n\n\n [1]<\/a> Aporofobia, el rechazo al pobre (Aporofobia, a rejei\u00e7\u00e3o ao pobre), Ed. Paid\u00f3s, 2017; de Adela Cortina, fil\u00f3sofa espanhola que desenvolveu o conceito.<\/p>\n\n\n\n [2]<\/a> Castro, Sebasti\u00e3o. \u201cPor uma nova concep\u00e7\u00e3o de gest\u00e3o ambiental\u201d, in Olhares Plurais sobre o Meio Ambiente. S\u00e3o Paulo, \u00cdcone, 2009.<\/p>\n\n\n\n Doutor, \u00e1rea de Pol\u00edticas P\u00fablicas; Especialista em Gest\u00e3o de Pessoas nas Organiza\u00e7\u00f5es; Governance, Risk and Compliance<\/em> (Lisboa); Mestre em Meio Ambiente (UFMG); Especialista em Recursos H\u00eddricos (Aston University<\/em>, Inglaterra); Especialista em Gest\u00e3o e Manejo Ambiental (UFLA); Perito Judicial Ambiental; Professor Ex-Diretor de Escolas; Coordenador de Projetos Internacionais de Educa\u00e7\u00e3o; Viagens t\u00e9cnicas (meio ambiente e educa\u00e7\u00e3o) a mais de 30 pa\u00edses; Consultor, h\u00e1 mais de 20 anos, nas \u00e1reas de Gest\u00e3o e Educa\u00e7\u00e3o, para mais de uma centena de escolas e IES cat\u00f3licas. Autor de \u201cGest\u00e3o de Pessoas em Institui\u00e7\u00f5es Confessionais\u201d e \u201cPerda de Alunos nas Escolas Cat\u00f3licas\u201d<\/a>.<\/p>\n\n\n\n Leia o artigo na \u00edntegra!<\/strong> Fotos: Pixabay<\/em><\/p>\n\n\n\n <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" (Por Sebasti\u00e3o V. Castro, Dr) A Economia Em artigo anterior (Vertentes, no 2, 2019) abordando a cautela que se deve […]<\/p>\nComo ocorre a desvitaliza\u00e7\u00e3o da Vida, pela economia<\/strong><\/h2>\n\n\n\n
Mas como tem ocorrido esse processo de desvitaliza\u00e7\u00e3o?<\/strong><\/h2>\n\n\n\n
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\n\n\n\n[Continua]<\/em><\/h3>\n\n\n\n
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\n\n\n\nSobre o autor (Sebasti\u00e3o Castro, Dr.):<\/em><\/h4>\n\n\n\n
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